Logo após seu inspirado score para
The
Bridge of San Luis Rey (2004) e antes de Rush Hour 3
(2007) e Josiah's Canon (2007),
Lalo Schifrin,
esse grande clássico autor da música do
cinema, retornou com a trilha sonora de um filme de terror, gênero
onde ele nos deu ótimos trabalhos como Amitiville Horror (1979).
O filme Abominable é, até agora, o único que tem a
característica de ser o primeiro filme onde um compositor
estabelecido em Hollywood trabalha na estréia de seu
descendente. Isso porque o diretor Ryan Schifrin é o filho do criador de
Voyage Of the Damned, enquanto a
produtora Donna Schifrin, já conhecida pelos aficionados através do selo musical Aleph Records, não
é outra que não sua esposa. Podemos, então,
considerar este como um filme familiar.
No argumento do filme, um homem tratará de salvar um grupo de
jovens excursionistas do ataque do Abominável Homem das
Neves, um terrível monstro antropófago que habita as montanhas.
O filme apresenta, como vemos, uma versão obscura e diferente do tema do Sasquatch. Uma boa produção para uma película que
remete diretamente aos filmes de monstros dos anos 1980.
Ryan Schifrin fala sobre seu pai no encarte do CD: "Que ele tenha
levado em conta que se tratava do meu primeiro filme é uma das coisas mais especiais que
já experimentei. Estou muito orgulhoso do fato de que conseguimos colaborar em sua
realização. É algo que guardarei até o resto da minha vida..."
Apesar de Lalo ter uma importante experiência em filmes de
terror, ele é mais conhecido por sua música para séries e películas de espionagem (recordemos
Mannix,
The Eagle Has Landed, The Venetian
Affair,
Mission: Imposible,
The Man from U.N.C.L.E.) e suas obras para filmes
policiais como Cool Hand Luke,
Bullitt e
Dirty
Harry. Ele foi indicado ao Oscar®
por Amityille
Horror em 1979, e foi o argentino quem compôs a partitura
original rejeitada para The Exorcist. Como seria de se esperar nesta ocasião,
o compositor pôde criar
livremente sua partitura; o diretor, além de ser seu filho, é fã incondicional do gênero,
tanto que incluiu no elenco os excelentes Dee Wallace Stone (a
mãe de Elliot em E.T. The Extraterrestial), Lance Henriksen
(Aliens) e Jeffrey Combs (Reanimator)
- uma declaração de princípios, portanto.
Em seu desenvolvimento, Schifrin baseia muito de seu score no suspense,
criando uma atmosfera não de horror, mas gloriosamente tensa. Quando a ação
surge, ocorre de uma maneira muito natural que traz reminiscências musicais de antigos filmes, em contraste com o
que
estamos acostumados a ouvir na atualidade. "Monster Vision"
também compartilha deste critério. Encontramos um interlúdio
melodicamente estranho no tema "Preston and Amanda" onde há uma
referência indireta ao romance, ainda que, de acordo com o contexto,
continue sendo predominantemente sombria.
Através de todo o score a orquestra se arrasta gerando um
sentido definido de ameaça, com freqüências graves e sinistras,
quase agressivas. O piano do maestro argentino transmite muita
tensão, que ganha energia com a percussão. Virtualmente
ninguém compõe música como esta hoje em dia. Outro tema de ação maravilhosamente
dinâmico é "Escape Attempt",
onde o compositor opta desta vez por seqüenciar sua música para
gerar emoção, descobrindo ante nossos ouvidos um trabalho
ricamente orquestrado como já não parecia possível. Encontramos também
um motivo que representará o Sasquatch,
altamente eficaz e impressionista. É possível imaginar a fera
atacando violentamente, cercando sua presa acompanhada por esta
música sinistra. Este motivo aparecerá novamente, crispado, nos
cinco minutos de "The Cave", um extenso exercício de
dissonância,
onde as texturas eletrônicas de Ruy Folguera se mostram incisivas, agregando outra dimensão
à orquestra de Schifrin.
Devemos também comentar que o álbum inclui a canção "One
Blade of Grass", escrita por Roy Bennet e Sid Tepper e interpretada
por Pat Windsor Mitchell , além de três bonus tracks: a desconcertante –
sobretudo neste contexto - "Girls Next Door", "Otis Leaves"
e uma versão alternativa da excelente "Rampage". Escrito
para uma orquestra de noventa
instrumentos, gravado em Praga com a Orquestra Nacional Sinfônica Tcheca
e com música eletrônica adicional do já mencionado Ruy
Folguera, não é de estranhar que esta conjunção de fatores tenha resultado
em um dos melhores scores de terror
realizados recentemente.
O septuagenário
Lalo Schifrin acumula cinco indicações ao Oscar® em sua vasta carreira. Sua
Abominable bem que poderia ser considerada outra de
suas grandes trilhas sonoras, não porque seja um grande trabalho para um
filme de baixo orçamento, o que é, mas sim porque nos recorda seu grande talento, como continua sendo subestimado
hoje em dia por aqueles que tem Missão:
Impossível e Dirty Harry como única referência de seu
trabalho.
Felizmente, as virtudes do álbum levarão o público a
reexaminar a discografia que Lalo Schifrin construiu com maestria
para cada gênero. Exercício que sem dúvida alguma trará
beneficio aos seus ouvidos, permitindo-lhe ampliar seus conhecimentos
e sensibilidade. Que assim seja.
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