Poderíamos dizer que, quando se trata
de Vangelis
musicando filmes, o momento é realmente excepcional. Porque,
diferentemente de outros compositores, que fazem esse trabalho
regularmente para seu sustento, Vangelis é um autor que já
desenvolveu sua monumental e influente obra de maneira autônoma, ao
longo de 30 anos. Desde sua premiação com o Oscar por Chariots of
Fire, passando pelo antológico Blade Runner e até o
excepcional 1492: Conquest of Paradise, o compositor sempre
foi fiel ao seu estilo pessoal. Chegou então a hora de o reconhecido
diretor Oliver Stone juntar forças com o músico grego, na última
mega-produção de 2004, Alexander. E certamente nenhum outro
compositor poderia ter enriquecido com mais originalidade a uma
produção desta magnitude (e polêmica), como fez Vangelis.
Como em qualquer um de seus CDs, a primeira característica desta
obra que notamos, é que a mesma está organizada especificamente para
o álbum. Mais do que reunir segmentos curtos e apresentá-los na
ordem cronológica do filme, a música está organizada na forma de um
grande conjunto, que flui de maneira homogênea ao longo do disco.
Alexander inicia com uma sublime "Introduction", que desemboca
diretamente em "Young Alexander" e logo se transforma ritmicamente
em "Titans". Desde o primeiro minuto torna-se mais que interessante
o conjunto instrumental que Vangelis utilizou, que vai desde uma
mescla de notas em sintetizadores, até uma orquestra completa,
passando por todas as combinações possíveis de cada extremo. Com "The
Drums of Gaugamela" os talentos do compositor, de desenvolver longas
melodias com bases rítmicas, se fazem evidentes. Aqui se destacam a
percussão e os metais, que Vangelis combinou com sucesso aos seus
tradicionais teclados. Na faixa "One Morning at Pella" é onde
Vangelis consegue destacar sua composição orquestral pura. No início
do tema simplesmente ouvimos um oboé e uma harpa, aos quais logo se
soma a grande orquestra sinfônica.
É talvez a partir daqui que o autor passa a apresentar uma trilha
sonora mais tradicional. Por sua vez, "Roxane's Dance" e "Eastern
Path" introduzem o ouvinte em um mundo de texturas mais complexas,
onde os instrumentos exóticos – como a cítara, o duduk e a percussão
– nos transportam às estranhas terras de mil anos atrás. Em "Gardens
of Delight" Vangelis utiliza uma voz solo que se combina de modo
subliminar com as cordas e à harpa. Aqui também deveríamos destacar
a excelente contribuição à obra do experiente orquestrador Nick
Raine. "Bagoas' Dance" é um bom exemplo dessa contribuição, com
sonoridades únicas. Gongos, sinos e sons pseudo-animais juntam-se à
percussão, para formar uma peça quase atonal. A mesma se transforma
diretamente na faixa denominada "The Charge". Tanto esta última,
como a faixa que lhe segue – "Preparation" – possuem um tom
operístico especial, onde sua dramaticidade se baseia. A esta
altura, Vangelis decide colocar o brilho da composição a cargo da
interpretação de um grande coral misto. "Across the Mountains" e "Chant"
poderiam ser definidas como composições dentro das estruturas do
"hino", estrutura a que Vangelis tampouco é estranho. O coral é
importante nestas peças, do mesmo modo que na famosa 1492:
Conquest of Paradise. É aqui, sem dúvida, onde as reminiscências
a esta outra obra são mais evidentes.
Aproximando-se do final deste grandioso score, temos "Immortality"
e "Dream of Babylon", que por sua proeminência de sons mais
sintéticos, marcam uma volta ao estilo personalíssimo de seu
compositor. Para o final, Vangelis nos reservou uma pequena
surpresa. O ouvinte clássico suporia que, para tal tipo de trilha
sonora épica, haveria um final igualmente épico. Não obstante, em
Alexander parece que as duas últimas faixas foram invertidas. A
penúltima faixa – "Eternal Alexander" – é a que possui um dos
momentos para coro e orquestra mais grandiosos, mas a última faixa,
"Tender Memories", é o verdadeiro final do disco, onde Vangelis dá
ao seu intenso trabalho musical uma suave e harmoniosa conclusão. No
lugar de fanfarras ou marchas com pomposos finais, temos um terno e
emotivo desenlace, cuja melodia simples se perde na eternidade.
Alexander é, certamente, um dos scores mais
impressionantes de 2004, uma verdadeira obra de arte que agradará
tanto aos admiradores de trilhas sonoras épicas, como aos seguidores
da longa carreira de Vangelis.
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