Quando ofereceram
a Jerry Goldsmith a oportunidade de musicar Instinto Selvagem,
ele não teve dúvidas em colaborar pela segunda vez com o diretor
Paul Verhoeven (a primeira foi em 1990, em O Vingador do Futuro),
no que seria, e de fato o foi, um de seus filmes que mais obtiveram
repercussão. Nele, Michael Douglas interpreta um policial de
comportamento nada exemplar, chegado às drogas e ao álcool,
carregando no passado o suicídio da esposa, e que deve investigar um
crime sexual onde a suspeita principal é Catherine Tramell, uma
sexy multimilionária interpretada pela belíssima Sharon Stone.
Já no "Main
Title" ,
Goldsmith demonstra seu grande poder de instrumentação e ambientação
com as cordas, em especial com os violinos, e a mescla que faz com
sintetizadores (nesta partitura utilizou mais de dez). "Crossed Legs",
"Kitchen Help", Morning After" ou "Catherine Sorrow" nos conduzem
através do suspense ambiental de Goldsmith. A sensualidade e o
mistério aparecem de mãos dadas nestas faixas que repetem, em forma
de leitmotiv, os acordes do tema central. As músicas de ação,
que quebram um pouco a opressiva atmosfera de suspense do filme,
aparecem em "Night Life" e "Roxy Loses". Na primeira, Goldsmith
compôs um excelente tema que se fragmenta: primeiro há uma
introdução de um minuto, com o tema de ação que vai tomando cor na
paleta instrumental, até um crescendo que explodirá. Após, ouvimos
quase três minutos de música tranqüila, espécie de transição do
personagem de Douglas que aguarda fora da casa onde entrou Catherine
Tramell. A percussão retorna quando ela sai, e o tema de Goldsmith
aparecerá novamente com variações.
Em "Roxy Loses" o compositor cria, com base no tema principal, todo
um novo conceito para a perseguição automobilística e enfrentamento
final de Roxy com Douglas. Certamente é um dos temas full
orchestra que permitem ao espectador aprofundar-se mais na trama
da película. E a música para uma cena de amor, onde há uma relação
sexual e os personagens chegam ao êxtase - em "Pillow Talk", pela
primeira e única vez escutei uma orquestra tendo um orgasmo. É
incrível a utilização que Goldsmith dá às cordas, em uma composição
carregada de erotismo e sensualidade, dentro e fora do filme. O tema
de suspense "The Games Are Over" é uma peça incomum de composição,
onde a combinação da orquestra com os sintetizadores obtém o seu
melhor efeito. Ela é ouvida quando os detetives, interpretados por
Douglas e George Dzundza, vão a um hotel onde está uma suposta
informante que pode ajudar a determinar a identidade do assassino.
Dzundza insiste em ir sozinho ao encontro. Minutos depois, Douglas
percebe que se trata de uma armadilha e corre desesperado até o
edifício, e enquanto sobe as escadas a música de Goldsmith golpeia o
espectador, transmitindo-lhe os sentimentos do personagem. Dzundza é
violentamente assassinado com um picador de gelo, ao se abrirem as
portas do elevador. A explosão instrumental de Goldsmith é
assombrosa.
Para o final, a faixa "An Unending Story" conclui o filme com uma
mistura de suspense, erotismo, violência orquestral e com um
delicado solo de piano, que é abandonado para dar lugar aos violinos
inconfundíveis que retomam o tema central. Jerry Goldsmith foi
indicado ao Oscar por este trabalho, que demonstra mais uma vez seu
imenso talento para transmitir, em notas musicais, todo o clima e os
sentimentos de um filme. |