Lembrado como um dos grandes clássicos
da ficção científica no cinema, Invasion of the Body Snatchers
(Vampiros de Almas, 1956) de Don Siegel, foi um produto
raro no cinema americano do período. Mais ocupada com ficções sobre
monstros do espaço e filmes juvenis em plena explosão do rock’n’roll,
Invasion se destacou por sua seriedade e entrelinhas de
leitura social (a perda da identidade individual na forçada
integração social) e política (a América vivia em plena paranóia
macarthista). A massificação de sentimentos, pensamentos e
comportamento, foi um sub-tema que rendeu grandes filmes no cinema
fantástico como Shivers (Calafrios, 1975) de David
Cronemberg, e a trilogia dos mortos-vivos de George Romero, que
foram um exemplo dessa visão tanto crítica quanto satírica de um
meio social nivelado pelos instintos básicos. Invasion seria
refilmado em um clássico ainda melhor em 1978, no homônimo
Invasion of the Body Snatchers (Invasores de Corpos) de
Phillip Kaufman. Sem a leitura política do original, o filme de
Kaufman se destaca como um dos mais geniais e assustadores
exercícios em paranóia social da história do cinema.
A conexão com o original é feita através de detalhes como a presença
de Kevin McCarthy (o protagonista anterior), aqui alertando aos
perigos da invasão logo no início da fita. “Vocês serão os
próximos”, ele grita em close e na cara da platéia. Também é famosa
a ponta de Don Siegel (o diretor do original) como o motorista de
taxi que quase “dirige” os protagonistas à captura. Mais do que uma
refilmagem, Kaufman raciocinou seu filme como uma seqüência, afinal
o medo social que explora é sempre atual e presente. Como todo
grande cult movie, a versão de Kaufman ganhou notoriedade com
o passar dos anos e estendeu essa fama aos componentes que o fizeram
tão perfeito: as atuações de Donald Sutherland e Broke Adams como o
casal protagonista, Jeff Goldblum já meio esquisitão em início de
carreira, e a saborosa in-joke que foi escalar Leonard Nimoy,
o Sr. Spock de Jornada nas Estrelas, como um psicólogo
possivelmente já substituído por um alienígena e que orienta as
pessoas à racionalidade e ao comportamento “normal”.
Além deles, marcaram a fita os efeitos sonoros de Ben Burt, os
incríveis efeitos especiais pré-CGI (o cachorro com a face humana é
inesquecível e digno dos melhores pesadelos) e a grande trilha
sonora de Denny Zeitlin. A trilha é um ingrediente independente que
merece atenção sem reservas. Lançada em 2003 pelo selo Perseverance
Records (sob licença da MGM), é um feito único no campo das trilhas
sonoras. Simplesmente não há similares na sua originalidade e
eficiência assustadora. Seu compositor, o americano Denny Zeitlin,
nascido em Chicago em 1938, teve um formação bastante incomum:
estudou música desde a infância, desenvolveu gosto pelo jazz
na juventude e formou-se em psiquiatria e música, sendo talvez o
único profissional de carreira consolidada nas duas áreas. O diretor
Kaufman, amigo do compositor desde os tempos em que estudaram juntos
na faculdade, sabia exatamente o que fazia ao convidar o amigo para
musicar seu filme e acentuar o desequilíbrio sonoro e emocional
pretendido, e é unicamente por essa amizade que Zeitlin (um
profissional totalmente fora do eixo de produção hollywoodiano) teve
a chance de compor a trilha para o filme. Infelizmente esta seria
sua primeira e única.
Zeitlin genialmente (e subliminarmente) desorienta linhas
convencionais de percepção auditiva logo na abertura (Main
Title) que parte de efeitos de suspense “familiares”, chegando a
lembrar trilhas para filmes de horror góticos e que até conecta o
trabalho com as trilhas de ficção dos anos 50, para em seguida se
entregar a uma atmosfera alienígena e indefinível com efeitos de
eco, texturas eletrônicas e notas aleatórias de piano. A combinação
de forças orquestrais e eletrônicas e até truques de gravação e
mixagem, para a criação do ambiente sonoro, coloca o compositor
entre os mais criativos que jamais trabalharam para o cinema. O medo
psicológico e físico que Kaufman explora com inesquecível maestria
no filme, teve uma genial correspondência na paisagem de
horror musical criada por Zeitlin. O fôlego inumano de
Escape To Darkness, a desorientação espacial de temas distintos
(jazz e soul) entre texturas eletrônicas
de On the Streets, as dissonâncias de Angel of
Death ou a conjuração de forças sonoras na assustadora
The Reckoning, são momentos de genialidade sem paralelo. Por sua
vez, a balada jazzística de Love Theme é a representação do
humanismo e sensibilidade que são ameaçados de desaparecer para
sempre com a invasão.
Assim, filme e trilha igualam forças como geniais e devastadores
assaltos sensoriais. Uma legítima “Invasão aos sentidos”, portanto.
O bom gosto musical de Zeitlin se faz presente até nas
ausências: a seqüência em que Donald Sutherland dorme no jardim, e
começa a ser duplicado na criatura embrionária, teve apenas o
acompanhamento dos efeitos de Ben Burt (aquela aterradora pulsação
cardíaca). O compositor conta na simpática entrevista que acompanha
o CD (30 minutos) que ficou tão fascinado pelo som criado por Burt
que julgou injusta a sobreposição de música a tão brilhante efeito.
Além disso, a sábia ausência de música proposta pelo compositor,
para não arriscar interferir no “silêncio” que torna o horror da
cena tão “íntimo” e verossímil, o coloca com um talento de rara
sensibilidade em um meio que, hoje, geralmente peca pelo mais óbvio
e ruidoso exibicionismo. |