A partir da grande
popularidade do tema e trilhas compostas para a popular série de
TV Missão Impossível, em meados dos anos 60, o regente,
arranjador e pianista argentino
Lalo Schifrin passou a
ser um dos mais requisitados compositores de Hollywood para a TV e o
cinema, em um período que durou até meados dos anos 70. Com Bullit
(1968), Schifrin injetou sangue novo nas partituras dos filmes
policiais, criando um estilo que agregava jazz e ritmos pop
às orquestrações mais tradicionais do cinema. É provável que este estilo
tenha chegado à perfeição em sua partitura para este célebre
Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971), dirigido por Don
Siegel e estrelado por Clint Eastwood. Tanto que esta trilha sonora
estabeleceu um padrão que foi seguido por uma infinidade de filmes de
ação que vieram em sua esteira. Nele é introduzido o personagem Harry
Callahan, detetive de São Francisco que, por seus métodos duros e
desprezo pelo sistema legal, ganha a alcunha de "O Sujo". Considerado
fascista por muitos, Harry é um policial à antiga que, na omissão da
Justiça, faz valer a potência de sua Magnum 44.
Segregado por seus
superiores, as mais difíceis missões vão para ele, que ao final
demonstra ser o único capaz de capturar o assassino psicopata e
seqüestrador Scorpio (Andrew Robinson).
À época, Eastwood ainda trilhava os caminhos abertos por sua atuação em
westerns italianos, e seus primeiros filmes fora do gênero o
colocavam em papéis não muito diferentes: mesmo em uma metrópole
contemporânea, ele continuava sendo o justiceiro que resolvia os casos
na base do soco e do revólver. Em Perseguidor Implacável
sua personificação foi mais
elaborada pelo roteiro, a fim de entrar em áreas que normalmente não
eram exploradas pelos westerns. Mesmo assim dá para dizer que
Harry Callahan ainda possuía muito em comum com o frio Pistoleiro Sem
Nome que Eastwood interpretou nos faroestes de Sergio Leone. E isto,
de certo modo, se reflete na música de Lalo Schifrin, que já havia
composto a trilha do filme anterior de Siegel e Eastwood, Meu Nome é
Coogan (Coogan's Bluff, 1968), no qual Eastwood era um xerife
do interior dos EUA que ia a Nova York em busca de um criminoso.
Para Dirty Harry o compositor criou uma partitura mesclando
jazz, rock, soul e atonalidade, que orbita em torno de
três temas principais: um de ação, que apresenta a figura de Harry,
ouvido inicialmente durante os créditos principais ("Main Title") em uma
versão ritmada e percussiva, que resume a essência jazz-pop do
score (e que aqui finalmente está na íntegra, com o solo de piano);
o do assassino Scorpio, a primeira composição que ouvimos no
filme, durante o assassinato na piscina ("Prologue/The Swimming Pool");
e, finalmente, um tema melancólico em piano elétrico, também dedicado a
Harry e que tem sua melhor interpretação na faixa final ("End Titles").
Este tema retornou em outras partituras que Schifrin compôs para os
filmes de Dirty Harry, tendo inclusive recebido um
desenvolvimento mais completo e até uma versão vocal, na interpretação
de Aretha Franklin, em Impacto Fulminante (Sudden Impact,
1983). No entanto, aqui em Dirty Harry ele tem uma aparição
discreta, uma vez que o tema mais recorrente é mesmo o de Scorpio,
que possui em "Scorpio's View" seu melhor momento. O tema possui o ritmo
ditado por bateria e guitarra elétrica, tendo por maior característica
uma etérea e sinistra voz feminina, cortesia da cantora Sally Stevens
(que já trabalhara com Lalo em The Fox, 1968). Este uso criativo
da voz, que representa a demência de Scorpio, é o elemento que mais
remete aos spaghetti westerns, lembrando em certos momentos as
vocalizações incomuns utilizadas por
Ennio Morricone
em suas trilhas antológicas para o gênero.
Além destes temas e suas variações, Schifrin enriquece o score
com algumas composições atonais típicas de seu estilo, como na fenomenal
"Floodlights". Nesta faixa, que acompanha a cena na qual, em um estádio
vazio, Harry pisa na perna ferida de Scorpio, a música transmite
toda a loucura do assassino e a angustiante sede de justiça do policial.
Por estes mistérios da indústria fonográfica e do cinema, a marcante
trilha original de Dirty Harry nunca havia sido lançada
isoladamente em disco. Somente o "Main Title" e algumas de suas faixas
surgiram em coletâneas de Schifrin e da série - o próprio Schifrin
bancou o lançamento da The Dirty Harry Anthology pelo seu próprio
selo Aleph (que tinha aproximadamente 16 minutos deste score), há
alguns anos.
Cansados de esperar pela
Warner, Schifrin e o produtor Nick Redman decidiram lançar este CD com a
íntegra do score, com direito às versões originais e integrais
das músicas, incluindo toda source music presente no filme, e
algumas faixas bônus, que são versões alternativas daquelas que acabaram
na montagem final. A qualidade do áudio é ótima, já que foram utilizadas
as masters originais multi-pistas, em ótimo estado de
conservação.
Enfim, um lançamento à altura de uma trilha sonora que fez história nos
anos 70, definindo um estilo de música muito imitado, mas quase nunca
igualado.
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