Devo
dizer que ando um pouco desapontado pela inconstância dos
últimos diretores da série
Harry Potter na escolha dos seus compositores. A recusa
de
John Williams em compor a trilha sonora para o quarto
filme,
Harry Potter e
o Cálice de Fogo, gerou uma brusca mudança no
mundo musical do jovem bruxo. Para preencher esta vaga
compositores com excelentes trilhas de fantasia e magia em sua
bagagem, e que criariam com certeza uma atmosfera sinistra e
mágica para o filme, poderiam ter sido convocados - nomes como
James Horner (Jumanji,
Em Busca do Vale
Encantado) ou
Danny Elfman (A
Fantástica Fabrica de Chocolate),
Alan Silvestri (Uma
Noite no Museu,
De Volta para o Futuro
) ou ainda Dario Marianelli (Os
Irmãos Grimm). Apesar disso o diretor Mike
Newell fez uma aposta arriscada em um compositor que, apesar
de já experiente, possuía menos renome e era mais ligado a
trabalhos de perfil bem diverso: Patrick Doyle.
Apesar de ser um excelente orquestrador, Doyle fez um trabalho
muito modesto tematicamente, uma vez que ele ignorou quase
todo o legado musical deixado em Hogwarts pelo mestre
Williams. Apresentando apenas brevemente e com claras
diferenças na estrutura musical o tema de Williams "Hedwig's
Theme", que em virtude de mudanças na harmonia e melodia se
tornou um tema de filme adolescente, com enfoque mais para o
drama do que para a fantasia. Além disso, Doyle também não
conseguiu nos apresentar novos temas suficientemente
convincentes e memoráveis. Resultado, um filme que passou de
clima mágico para um filme ora em clima de suspense
adolescente através de dissonâncias e atonalidades, ora
tendendo ao drama com as melodias contrapontísticas para
cordas de Doyle.
Para o quinto filme,
Harry Potter e a Ordem da Fênix, duas opções
eram as mais lógicas para mim: ou John Williams voltava para
nos presentear com mais uma trilha orquestral forte e
marcante, ou que pelo menos Doyle pudesse se redimir compondo
uma trilha mais madura. Eu estava errado. Nicholas Hooper
seria o homem por trás da trilha. Mas quem é esse tal de
Hooper? Se a escolha de Doyle já foi controversa por ele ser
menos conhecido, imagine a polêmica gerada pela escolha de
Hooper, que apesar de ter experiência compondo para televisão,
carrega no seu currículo apenas uma ou outra produção
cinematográfica premiada.
Em linhas gerais, compor a trilha para um filme baseado em uma
obra literária mundialmente aclamada nunca é uma tarefa fácil.
Somemos a isso o fato de que este filme é o quinto de uma
série que foi progressivamente melhorando, e que a cada novo
capítulo composições e temas marcantes nos eram apresentados.
Isso já tornaria a composição da trilha de
Harry Potter e a Ordem da
Fênix uma empreitada desafiadora para qualquer
compositor. Para piorar temos um dos maiores compositores da
história do cinema como principal "mentor musical" dos
primeiros filmes, John Williams. O maestro Williams teve uma
parcela gigantesca no sucesso da série, pois sua música foi
mais que apenas ambiental. Como de costume sua música
tornou-se um personagem do filme, com temas marcantes como "Hedwig's
Theme", "Arrival of Baby Harry" e o mais recente "Double
Trouble". Pena que tanto Doyle quanto Hooper tenham ignorado
os temas do maestro Williams, a não ser por breves linhas de
Hedwig's Theme que os dois utilizaram em seus
scores.
Ao contrário das outras trilhas sonoras da série lançadas em
CD, em que a seqüência de apresentação das músicas seguia pelo
menos em parte a ordem dos acontecimentos no filme, em
A Ordem da Fênix
as faixas não vieram nesta ordem cronológica. Outra
novidade também é em relação à execução da trilha: enquanto as
outras quatro utilizaram orquestras sinfônicas completas,
Hooper utilizou uma orquestra de câmara (que de câmara
aparentemente só tem o nome), a
Chamber Orchestra Of London.
Dizem algumas matérias que ele utilizou os 90 membros da
orquestra; eu tenho dúvidas, já que pouco se encontra sobre os
membros da orquestra e o processo de gravação da trilha,
somado a isso a sonoridade da trilha é mais suave do que seria
com um orquestra de 90 membros. Mas enfim, vamos passar à
análise do trabalho de Hooper.
Apagam-se as luzes, e como já diz a faixa "Another Story",
outra historia começa. Hedwig's Theme é ouvido então
tocado em flautas e trompas (french
horns) com uma participação das cordas na parte
final, ao invés da celesta de Williams. Hooper retorna ao
padrões de Williams, mantendo as funções dos acordes-base para
a melodia, ao contrário de Doyle que havia mudado os acordes.
Em seguida ouve-se um motivo triste no piano que é quase que
exclusivo da cena onde Harry e seu primo discutem no início do
filme, já que não recordo de tê-lo ouvido novamente em
momentos posteriores. Deste ponto para o final da faixa apenas
climas e texturas são criados, com cordas e madeiras, que
culmina com algumas linhas de Hedwig's Theme novamente
para finalizar a faixa. Outra faixa onde Hedwig's Theme
também aparece é "Journey To Hogwarts", novamente com
interpretação na trompa e flauta.
"Dementor's In The Underpass", "The Hall Of Prophecies", "The
Death of Sirius" e "Darkness Takes Over" marcam os momentos
mais assombrosos e perturbadores do filme.
"The
Kiss" tange o romance de Harry e a bruxinha oriental Cho Chang
. "The Sacking of Trelawney" é um dos momentos mais tristes da
trilha, e acompanha a cena onde a nossa estranha professora
clarividente quase é expulsa das terras de Hogwarts pela
Professora Umbridge. "Possession" cria um clima dramático e
melancólico com pitadas sombrias, representando o drama de
Harry em relação a sua conexão com lorde Valdemort. Um dos
grandes acertos de Hooper para mim foi o uso e abuso do
glockenspiel e da
harpa para criar uma sonoridade mágica, coisa que Doyle não
fez. Hooper nos traz atmosferas de bruxaria, enquanto Doyle
apenas criou tensões, seja para o medo ou para o drama. A
magia está de volta a Hogwarts!
Alguns dos momentos mais mágicos da trilha ficam a cargo das
faixas "Room Of requirements", "Professor Umbridge" e "Ministry
of Magic". Essas faixas tem algo de Williams, seja pelas
melodias mágicas, seja pelos recursos orquestrais como
utilização do glockenspiel e harpa para ilustrar esse mundo mágico.
"Professor Umbridge" foi, dos temas criados por Hooper, o mais
marcante para mim, um tema que em algo me lembra o Tango, com
muitos Staccatos e que me marcou pela melodia
saltitante e alegre, que ao mesmo tempo quer dizer que as
coisas não são o que parecem. O ar repetitivo e às vezes até
convincente demais lembra muito a personalidade da nova
professora de Defesa Contra as Artes das Trevas: Dolores
Umbridge. Este tema tem basicamente duas partes, e a
orquestração varia a todo momento; o primeiro tema começa
tocado pelos violinos acompanhado de
glockenspiel,
após temos um segundo tema tocado pelas trompas, que se repete
nos violinos. Voltamos ao primeiro tema agora interpretado
pelo oboé, seguido pela orquestra toda. O segundo tema agora é
tocado por clarinete e glockenspiel, e na seqüência por toda orquestra com melodia
nas cordas. Em seguida há um floreio feito pelas flautas,
fazendo ponte novamente para o primeiro tema, agora tocado por
toda orquestra e se encaminhando para o final, onde um clima
mais sombrio criado pelo
glockenspiel e cordas vai lentamente
desaparecendo. Este tema estará presente também na faixa "Umbridge
Spoils a Beautiful Morning" onde será tocado em Pizzicato
pelas cordas, e ao fim por
glockenspiel.
"Ministry of Magic" começa com um tema que me lembrou trilhas
de desenhos animados como
Dennis o Pimentinha
e Inspetor Bugiganga,
com um certo ar sapeca. Quem começa no comando é o fagote,
acompanhado em seguida pelo resto das madeiras, ficando então
a melodia no clarinete, e culmina com um motivo de
glockenspiel e
cordas. A segunda parte é mais alegre e tem um quê de Doyle,
carregado nas cordas e com orquestração bem densa. Entra a
trompa e o clima de magia e mistério volta, a partir daí a
música se encaminha para um final gradativo e sombrio. "Room
Of Requirements" é a música que serviu de trilha para o
site do filme
antes de sua estréia, e antes mesmo do lançamento da trilha.
No instante que ouvi essa faixa sabia que já a conhecia. É
também a mais longa do CD, tendo pouco mais de seis minutos de
duração.
"Fireworks" tem um ar irlandês e alegre, usando e abusando das
cordas e trazendo uma outra inovação na série, que é um solo
de guitarra elétrica cheio de efeitos. "Dumbledore's Army"
começa num ritmo de relaxamento que remonta à música celta,
permanecendo neste clima até mais ou menos a metade da faixa,
onde começa um tema aventuresco guiado pelas cordas e
madeiras. "Flight of the Order of Phoenix" entra em ritmo de
marcha dando uma plena idéia de exército mesmo, a atmosfera de
aventura vem em seguida. Nessa faixa o predomínio além das
cordas é dos metais e da percussão. "Loved Ones and Leaving",
que encerra o CD, é dramática e triste, lembrando em alguns
momentos algumas linhas de
A Vila, de
James Newton Howard, principalmente no final onde entra o
solo de violino. |