Em 1989
John Barry sofria de uma grave uma infecção intestinal que quase lhe
custou a vida, e que o obrigou a submeter-se a quatorze intervenções
cirúrgicas. Ele voltou em 1990, quando compôs a trilha sonora ganhadora
do Oscar Dança com Lobos. Apesar das esperanças dos produtores da
franquia James Bond de que Barry se recuperaria a tempo para compor o
score de 007 - Permissão para Matar, isto não ocorreu. Por
esta razão, a ausência de Barry propiciou uma série de mudanças que
finalmente fariam com que a música de Bond se afastasse substancialmente
de suas tradições. Tudo faz supor que em 1989
os produtores assumiram, explicitamente, a importância que tinha a
trilha sonora como um produto comercial acessório do filme. Esta
"descoberta" fez com que esta trilha se afastasse bastante da tradição
musical de Bond.
Diante da impossibilidade de contar com John Barry, os produtores
contrataram o falecido compositor
Michael Kamen,
encarregado somente de compor a partitura incidental do filme. Esta
condição fica absolutamente clara na seqüência dos créditos iniciais,
onde está registrado: “Score composed by Michael Kamen”. Esta
situação significou que Kamen teve de criar uma trilha sonora sem ter
idéia de quais canções seriam incluídas no filme, impossibilitando que
ele pudesse utilizá-las como padrão em sua partitura. De fato, esta foi
a primeira vez em que um compositor de trilhas sonoras de Bond não
utilizou a canção principal como padrão para suas composições
instrumentais. Michael Kamen era um destacado músico que compôs as
partituras de filmes conhecidos, tais como a trilogia de Duro de
Matar, os quatro Máquina Mortífera, Brazil - O Filme,
Robin Hood: Príncipe dos Ladrões, Os Três Mosqueteiros,
Os 101 Dálmatas e Don Juan de Marco, e cujo estilo de
trabalho se caracterizava exatamente por participar na composição e
posterior utilização instrumental das canções incluídas em suas trilhas
sonoras. Há rumores que, originalmente, o tema principal desta película
seria uma composição instrumental interpretada por Vic Flick (o
guitarrista original do “Tema de James Bond”) e Eric Clapton, mas
posteriormente os produtores decidiram continuar com a tradição de
utilizar canções. Além disso, pela primeira vez desde 1963 (Moscou
Contra 007), os produtores decidiram deixar a composição das canções
para músicos completamente independentes do compositor da partitura
principal. Foi assim que distintos músicos compuseram quatro diferentes
canções para serem utilizadas no filme, as quais fazem parte do álbum. A
respeito das canções utilizadas, registro o seguinte:
-
“Licence To Kill”, composta por Narada
Michael Walden, Jeffrey Cohen e Walter Afanasieff e interpretada por
Gladys Knight, utilizada somente nos créditos principais. Trata-se de um
tema que traz muitas reminiscências da canção principal de 007 Contra
Goldfinger, inclusive seus primeiros acordes são muito parecidos.
Isto implica, portanto, que se trata de uma canção no estilo utilizado
na década de 60 para as canções de Bond. A intérprete Gladys Knight
possui características similares a Shirley Bassey ou Tom Jones, o que
deu à canção o toque de energia e força necessários. Apesar de todas
estas características, a canção não teve nenhum destaque nas paradas de
sucesso, e tampouco é lembrada como uma das mais destacadas da série, de
fato é uma das mais ignoradas;
-
“If You Asked Me Too”, composta por
Diane Warren e interpretada por Patti La Belle, utilizada apenas nos
créditos finais. Como no filme anterior, a canção composta para os
créditos finais é bem melhor que a principal. Ela possui um estilo
semelhante a “If There Was A Man” de 007 - Marcado para a Morte,
ou seja, é uma bonita balada romântica interpretada por uma cantora
de grande força. Atreveria a dizer que, se ela fosse a canção principal,
teria uma aceitação muito boa, tanto que alguns anos depois foi
popularizada mundialmente pela famosa cantora Celine Dion;
-
“Wedding Party”, composta por Jimmy
Duncan e Phillip Brennan e interpretada por Ivory, é uma canção dançante
utilizada nas cenas da festa de casamento de Felix e Della;
-
“Dirty Love”, composta por Steve Dubin
e Jeff Pescetto e interpretada por Tim Feehan, utilizada para acompanhar
uma violenta cena de luta entre Bond e seus inimigos em um bar da
Flórida.
Frente a este cenário, Michael Kamen não teve outro caminho que não o de
compor uma boa trilha sonora, sabendo de antemão de que somente não
poderia prescindir da utilização do “Tema de James Bond”. Neste aspecto
Kamen foi extremamente generoso, já que são muito poucos os filmes de
Bond onde o uso desta assinatura musical é tão abundante. Das seis
composições instrumentais que Kamen compôs para este disco, em quatro o
tema está bem presente. Tenho a impressão de
que pela primeira vez na história de Bond, a trilha sonora é
interpretada por uma grande orquestra em termos de número de componentes
e instrumentos utilizados. A música foi interpretada pela National
Philharmonic Orchestra, o que inevitavelmente produz um efeito de
grandiosidade no mais puro estilo das grandes trilhas sonoras compostas
por John Williams. Em
relação à música incidental composta por Kamen devo mencionar que por
muito tempo a considerei espetacular, inclusive cheguei a considerá-la
como a segunda melhor após 007 A Serviço Secreto de Sua Majestade.
Mas com o passar do tempo, a chegada de trilhas sonoras posteriores e a
reavaliação das trilhas anteriores, terminei por mudar de opinião.
Claramente até aquele momento era a partitura que melhor soava ao
ouvinte, basicamente devido à grande orquestra que interpretou a
partitura, ainda que haja algumas passagens que não resultam muito
interessantes de escutar, pelo menos sem imagens. Esta situação tende a
atenuar-se com a inserção do “Tema de James Bond”, mais a incorporação
de alguns acordes latinos. Em todo caso, estas passagens um tanto sem
atrativos de ouvir eram uma constante no estilo de composição de Kamen,
que se caracterizava por ter muitos efeitos sonoros, trocas violentas de
melodia e utilização excessiva de instrumentos de percussão, que em
grandes orquestras adquirem um destaque especial. Mas como assinalado
antes, aqueles fatores convertem esta trilha em um trabalho bastante
satisfatório e digno. É necessário destacar que, apesar de tratar-se de
uma obra notadamente sinfônica, a interpretação do “Tema de James Bond”
não se inspirou na versão sinfônica de John Barry,
mas sim na que era utilizada na década de 60. Tanto que marcou a volta
de Vic Flick para que contribuísse com as interpretações da guitarra.
Além disso, é justo registrar que Kamen incorporou uma grande variedade
de arranjos para o “Tema de James Bond”, incluindo mais de um dentro de
uma mesma composição, como no caso de “Licence Revoked”. Isto lhe deu um
mérito adicional, já que de um modo geral o uso deste tema se resumia a
um ou no máximo dois tipos de arranjos por filme.
Outro aspecto destacado da música de Kamen foi a novidade introduzida na
seqüência de abertura “Gun Barrel Sequence”, onde ele mudou totalmente
sua introdução, mantendo somente o arremate musical da seqüência. A
partir de Kamen, todos os compositores sentiram-se com mais liberdade
para inovar esta marca registrada que se havia mantido por quase toda a
série, salvo por una pequena variação introduzida por Marvin Hamlish em
007 - O Espião que me Amava. Mantendo a tradição das trilhas
anteriores, parte da música utilizada no filme não foi incluída no
disco, e até agora não houve interesse em resgatá-la em um álbum
expandido ou em alguma compilação (inclusive este título, por não
pertencer à EMI, não foi incluído nos relançamentos de trilhas da série
ocorrido em 2003). Em resumo, a música funciona bem e as canções
utilizadas no início e no final são satisfatórias, ainda que fique a
curiosidade de como teria sido se Kamen tivesse participado de sua
composição. Outras participações do músico como compositor de canções
para filmes e sua posterior utilização instrumental nas trilhas sonoras
indicam que ele teria feito um bom trabalho, basta mencionar como
exemplos “Everything I Do, I Do It For You” de Robin Hood: Príncipe
dos Ladrões e “All For One” de Os Três Mosqueteiros.
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