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Hoje em dia, dificilmente haverá alguém que
não conheça o clássico tema de Missão Impossível, de autoria do
pianista de jazz, arranjador, orquestrador, maestro e produtor
argentino
Lalo Schifrin.
Contudo, a grande maioria ouviu a composição apenas nos filmes
realizados a partir de 1996, estrelados por Tom Cruise, já que não
assistiram à série de TV original, que estreou dia 17 de setembro de 1966
na CBS norte-americana. Nela, uma equipe de uma agência secreta, a MIF (Mission
Impossible Force), levava a cabo arriscadas missões, onde o embuste
e os disfarces eram a tônica dos episódios. Na primeira temporada a
equipe era chefiada por Daniel Briggs (Steven Hill),
que foi substituído na segunda temporada por Jim Phelps (Peter
Graves), que permaneceu até o final das sete temporadas do programa.
Outros personagens de destaque eram o mestre dos disfarces Rollin Hand (Martin Landau,
por três
temporadas), Cinnamon Carter (Barbara Bain, também por três temporadas),
o mestre em tecnologia Barney Collier (Greg
Morris) e o musculoso Willy Armitage (Peter Lupus) - estes dois últimos,
presentes em todas as temporadas. No desenrolar do programa, novos
atores e atrizes participaram do elenco fixo do programa, como o eterno
Sr. Spock, Leonard Nimoy, que por duas temporadas esteve na equipe como
o novo especialista em disfarces, Paris. O formato do
programa foi copiado por uma infinidade de outras séries, sendo uma delas Alias - e não por coincidência seu criador, J. J.
Abrams, foi escolhido por Tom Cruise para dirigir o mais recente longa
da franquia.
Mas obviamente a série também foi um marco musical, como demonstra a
perenidade de seu tema. E mais, sendo um de seus primeiros trabalhos em
Hollywood, Schifrin (que iniciou sua carreira norte-americana como
protegido do grande trompetista Dizzy Gillespie) criou um estilo de
score para séries de espionagem, policiais ou de ação, que
influenciou uma infinidade de outros programas e filmes durante as
décadas de 1960 e 1970. Como não é raro de acontecer no mundo das
trilhas, um trabalho mítico como este surgiu no meio de um cronograma
apertadíssimo - Schifrin teve apenas duas semanas para compor a
partitura do episódio piloto. Como resultado, o argentino entregou um
score moderno, com toques de jazz e tons militares, que se
revelou o acompanhamento perfeito para as aventuras do grupo de agentes
secretos. Um dos primeiros temas criados por Schifrin foi "The Plot",
que combina percussão militar com uma melodia conduzida pelos metais (trompete
e trompas), e que pode ser considerado como uma segunda assinatura
musical da série. Já o clássico e vibrante tema que hoje conhecemos foi
criado somente seis dias antes da estréia do piloto, a pedido do
produtor Bruce Geller, e o resto é história. Temos aqui um dos melhores
exemplos de ajuste da música à imagem: traduzidas na música de ritmo
vivo, estão todas as imagens que surgem durante a seqüência de créditos
iniciais: o palito de fósforo que acende um pavio, a prévia das cenas do
episódio que será exibido, o surgimento na tela do título "Mission:
Impossible", o nome e as imagens dos atores... simplesmente perfeito.
Tenho certeza de que um dos segredos do sucesso da série foram seus
vibrantes créditos iniciais, dos quais o tema de Schifrin é a sua
essência. Durante as sete temporadas originais de Missão: Impossível
vários outros compositores de gabarito também contribuíram para a série,
como Jerry Fielding, Gerald Fried, Robert Drasnin e Richard Markowitz.
Porém, suas colaborações nunca se igualaram à do maestro argentino.
Da discografia originada da série, dois LPs do selo Dot Records,
trazendo gravações de Schifrin, se destacaram: "Music from Mission:
Impossible", de 1967, e "More Mission: Impossible", de 1968. Com o
advento do CD eles tiveram edições isoladas,
mas em 1994 a One Way Records, em parceria com a MCA, lançou o CD "Mission: Anthology",
que trazia o conteúdo dos dois antigos LPs e uma faixa inédita, "Secret Code".
Dois anos depois, coincidindo com a chegada aos cinemas do primeiro
filme da franquia, a MCA lançou este CD no Brasil com o título de "Music
from Mission: Impossible", que é o objeto deste comentário. À exceção da
arte de capa diferenciada, os CDs americano e brasileiro são idênticos
em conteúdo. Nele podemos notar certas diferenças entre um LP e outro: o primeiro
é centrado nos personagens da série, enquanto o segundo dedica boa parte
de sua música para representar os locais onde se desenrolavam os episódios.
Porém ambos também
trazem sonoridades jazz, pop e cadenciadas, antecipando obras que
Schifrin posteriormente comporia para a tela grande, como Bullit
(1968) e
Perseguidor Implacável (Dirty Harry, 1971).
No conjunto, esta música é a prova da versatilidade Schifrin, trazendo padrões
harmônicos que são sua marca registrada e, como de hábito, grandes
performances de excelentes músicos. A dinâmica "Jim On The Move" é
dedicada ao personagem Jim Phelps, onde se destacam os improvisos de
piano de Mike Melvoin. O mestre dos disfarces é apresentado em "Rollin Hand",
com início em piano e cordas e que, em seguida, traz a orquestra com um
uma elegante e poderosa interpretação dos metais. Outras faixas
dedicadas a personagens individuais se seguem, como "Wide Willy", "Cinnamon" (esta,
com tons românticos levados por cordas e flauta, composta por Jack Urbont
e Bruce Geller), mas temos também cortes como a já citada "The Plot", dedicada às atividades do grupo, a sensual e étnica "Danger",
a tensa e improvisada "The Sniper", com o próprio Schifrin no harpsichord
e com Bill Plummer na sítara. O conteúdo de "More Mission: Impossible"
inicia com "Mission Blues", faixa que combina metais e baixo funky.
"Self-Destruct" é uma tentativa de experimentação de Schifrin,
apresentando percussões singulares acompanhando o saxofone. As já
citadas músicas de acompanhamento local, descrevendo o cenário / país
onde se desenrola a ação estão em faixas como "Affair in
Madrid" (guitarras flamencas), a jazzística "The
Chelsea Memorandum" (composta por Shorty Rogers, com destaque para o
órgão) e "Danube Incident" (com um uso criativo dos címbalos). Já "The Getaway"
apresenta tons humorísticos aplicados ao tema principal da série, "More Mission"
dá toques latinos a "The Plot" e "Secret Code" revela-se uma composição jazzística com
ótimo emprego de órgão, tabla hindú e
flautas).
Vale ressaltar que, como era de praxe, os LPs (e portanto o CD) não
trazem as gravações originais utilizadas na série. Já que os temas e as
cues via de regra eram de curta duração, sua audição em disco
ficaria muito truncada. Deste modo, Schifrin arranjou versões especiais
para serem gravadas em disco, com faixas desenvolvendo versões mais
longas dos temas principais, ou então combinando várias cues para
formar uma faixa maior. Deste modo, as músicas soam mais como peças
autônomas de jazz / pop do que propriamente de underscore.
Algumas das gravações originais foram lançadas pelo selo GNP Crescendo
em 1992, no CD "The Best of Mission: Impossible - Then and Now", que
incluía músicas de Schifrin para a série original e de John E. Davis
para uma nova versão lançada em 1988. É curioso comparar as gravações
originais de certos temas com as versões deste CD, mas o principal é
poder constatar como as composições posteriores de Davis, já utilizando
sintetizadores, soam mais datadas que as criações de Schifrin feitas nos
anos 1960. Um atestado do talento e genialidade do grande maestro
argentino. |
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