O que dizer de um
mímico em frente ao espelho? Assim, talvez melhor pudéssemos descrever
os últimos trabalhos do californiano
James Horner, que
talvez tenha atingido o ápice de seu “método” em The New World.
Seus despropósitos auto-plagísticos e sua incipiência melódica atual são
já há um bom tempo defeitos dele indissociáveis, mas quando isso ocorre
num filme de vibrantes ambições artísticas, tais coisas tendem a se
maximizar, se tornando assim também mais difíceis de serem perdoadas.
Mesmo com apenas dois filmes no currículo, o roteirista e diretor
Terrence Malick conseguiu uma grande reputação com a crítica e, depois
de uma ausência de 20 anos, retornou com
Além da Linha Vermelha, pelo
qual foi indicado a sete Oscars. Então agora, Malick, realizou
O Novo Mundo, um projeto
antigo seu que retrata o famoso romance entre John Smith (Colin Farrell)
e a índia americana Pocahontas (Q´Orianka Kilcher, de apenas 15 anos na
época das filmagens). Com luz natural, de forma lenta e com poucos
diálogos, o filme vai mostrando como chegaram os colonizadores ingleses
em 1607 à região dos índios
algonquins, onde aos poucos surge o romance improvável. Há um
aprofundamento não visto recentemente no cinema comercial para esse tipo
de situação. O que ocorre entre ambos os personagens é semeado, regado e
cuidado. Não há um só momento em que esse improvável caso se torne
irrealista ou soe falso. O Novo Mundo é um épico em estilo e
ritmo diferenciados; para alguns, enfadonho, mas para mim, um exercício
de sutilezas, onde a beleza pode ser descria sem pressa. Não é um filme
sobre grandes navegações ou descobertas na América, como o título pode
erroneamente indicar. É um épico sobre o amor. Sobre como dois seres
humanos de culturas e vidas tão distintas podem se apaixonar, e como a
separação pode ser dolorosa. Retrata a força de vontade, quase
sobre-humana, para esquecer a quem se ama. Retrata o renascimento do
amor em formas inesperadas. O filme é de fato “poesia visual”. Também
não é um épico sobre grandes conquistas. Não deve ser julgado como tal.
É mais simples, ao mesmo tempo em que também pode ser considerado
infinitamente mais complexo, tanto quanto a vida pode ser. Deve ser
sentido, não assistido. As imagens fluem, às vezes como recortes
desconexos, sem sentido. Alguns cortes parecem deslocados, gerando um
efeito quase hipnotizante – e bom! Não são poucos os momentos em que
entramos nos pensamentos mais profundos dos personagens, através de uma
apropriada narração in off.
As imagens da floresta, praticamente virgem, sendo exploradas pela
primeira vez pelos ingleses, propiciam um clima perfeito para o diretor
explorar e brincar com sua câmera. Tem suas falhas, é verdade, mas são
apenas arranhões em uma paisagem muito maior. E quando, no ato final, o
filme vai para a Inglaterra, Malick surpreende com construções e
recriação de época impecáveis.
Assim, para surpresa de todos, um dos mais controvertidos e importantes
elementos de um filme, a sua música, ficou a cargo do não muito menos
controvertido compositor: James Horner. Deixando de lado a surpresa
inicial, a sua música acabou por se traduzir numa partitura que, como
temíamos, não deixa lugar para surpresas; frustrando aqueles que
esperavam que, sobre o auspício de Malick, o compositor seria forçado a
experimentar ambientes musicais distintos dos que ele nos acostumou.
Mas, ao contrário, Horner parece mais assentado do que nunca em seu
“estilo particular”. Se estabelecêssemos como premissa que estamos
ouvindo pela primeira vez uma trilha de Horner, em um filme qualquer,
poderíamos dizer que estamos diante de um
score preciosista, sereno,
assentado num tipo de música descritiva e intimista; na qual não se
renuncia a instantes de preciosismo melódicos – fato inusitado nos
filmes de Malick, mas quase coerente com a grandeza das paisagens
mostradas. Estamos definitivamente diante de uma partitura afável,
sentimental em suas formas... Mas lembrando-se de que Horner já é um
compositor experiente e premiado, percebemos uma partitura absolutamente
previsível e monótona que acaba por deixar o ouvinte com a amarga
sensação de já ter ouvido esta música em algum lugar. Já aqueles que
conhecem bem a obra do compositor podem inclusive prognosticar certos
acordes antes que eles soem; circunstância que corresponde em bem pouco
à originalidade de um trabalho destinado a um cineasta “rupturista”.
Naturalmente o diretor optou por rejeitar grande parte da música
original de Horner. De fato a música no filme é pontuada em grande parte
por partituras eruditas diversas (em especial por fragmentos do “Anel
dos Nibelungos”, de Wagner), o que parece uma decisão extrema de um
diretor que teve várias divergências artísticas com o compositor no
processo de criação da trilha.
O tema principal, insolente coletânea melódica de outros
main themes já conhecidos do
autor, se converte em um recurso tremendamente pegajoso, de irrupção
contínua e artificial utilização por Horner. Sem contar os insólitos
samplers do trinar de
pássaros que seguidamente insurgem azucrinantemente nas faixas, o
compositor se limita, como vem fazendo assiduamente há muito tempo, a
desenvolver a partitura com base em mais ou menos descaradas variações
de seu leitmotiv central,
alargando suas frases e rearranjando seus registros melódicos (seus
orquestradores são precisamente os que vêm salvando atualmente a sua
música da mediocridade mais absoluta). É uma melodia singela,
pretensamente cálida, a qual tanto o piano, quanto os coros femininos,
dotaram de uma aura emotiva, como podemos ouvir nas faixas “A Flame
Within” (Faixa 03) e “Forbidden Corn” (Faixa 08), e posteriormente
apresentada em sua versão mais épica nas cordas nos primeiros seis
minutos de “All is Lost” (Faixa 11). Com esta mesma melodia ele compôs a
canção contida nos créditos finais, “Listen to the Wind” (Faixa 13),
interpretada pela angelical voz de Haley Westenra, neozelandesa de
dezoito anos.
Horner recorre também ao leitmotiv
central para utilizá-lo como love
theme na faixa “Pocahontas and Smith” (Faixa 07), sem
conseguir, portanto, evocar o lendário romance de seres antagônicos. O
que dizer então de um tema de batalha que parece extraído integralmente
do repertório bélico de William Wallace de
Braveheart, assim encontramos
“Winter / Battle” (Faixa 10). No entanto; por entre a quase absoluta
falta de originalidade em auto-referências a
scores anteriores como
Braveheart,
O Homem
Bicentenário ou aos coros sintéticos reciclados
diretamente de
Titanic;
há curtos momentos em que nos deparamos com trechos musicais
interessantes; podendo destacar-se, por sob a camada importuna de
efeitos sonoros, a faixa “Of the Forest” (Faixa 06); exemplo inequívoco
de que o autor, até mesmo em suas obras mais tediosas, segue oferecendo
mostras de que um dia pode despertar de pesadelos recorrentes, pululados
de músicas igualmente recorrentes, e compor algo de verdadeiramente
novo.
Sendo ainda mais condescendente, posso reafirmar que, esquecendo o fato
de Horner ser quem é, e ter feito o que fez, esta obra pode ser
apreciada em sua devida medida: subtraídos os efeitos sonoros, definida
e contida em si mesma, sem referências, seja a história a qual
acompanha, ou ao passado. Só assim abriremos caminho para provarmos sua
tênue e oculta beleza. |