Ao longo da história do cinema, houve ocasiões em que a
música foi a tal ponto determinante na filmografia de um diretor que,
caso não estivesse acompanhando o filme, este não teria a mesma
qualidade e prestígio. Assim, quatro binômios (compositor/diretor) podem
ser considerados paradigmáticos: Steven Spielberg e
John Williams,
Federico Fellini e Nino Rota, Francois Truffaut e
Georges Delerue e, aquele que agora nos interessa, Sir Alfred
Hitchcock e
Bernard Herrmann.
Intriga Internacional
(North by Northwest,
1959), foi para o diretor inglês uma espécie de resumo de sua obra na
América do Norte, assim como The Thirty Nine Steps (em sua
primeira versão) o foi de sua obra original inglesa.
Hitchcock não conseguiu trabalhar com o talentoso compositor de
Citizen Kane até 1956 (três anos antes deste filme).
Hitchcock sabia que com Herrmann tinha muitos pontos em comum: ambos
eram inteligentes e sensíveis acima da média, mas também melancólicos e
mal-humorados na mesma proporção. A admiração pessoal mútua que nutriam
serviu para o trabalho em conjunto; mas enquanto o inglês era frio e
reservado, Herrmann - o norte-americano - era um apaixonado que não
hesitava nem um segundo em expandir-se conforme seu estado de ânimo,
coisa que Sir Alfred não via com bons olhos. Mesmo assim,
Hitchcock e Herrmann,
no fundo, haviam nascido artisticamente um para o outro. O Mestre do
Suspense delegou grande parte da responsabilidade de seus filmes ao
compositor, e este desempenhou a tarefa como nunca ocorreu, antes ou
depois, na indústria do entretenimento.
North by Northwest, a quinta colaboração entre ambos, oculta sob
sua aparência de simples diversão uma segunda leitura sumamente
interessante. Trata-se de uma idéia que o diretor iria desenvolver
plenamente em seu filme de 1960, Psycho. A casualidade
substitui sempre a causalidade e o mundo se diverte às custas
das expectativas de nós, os seres humanos, a quem o destino comanda.
Esta segunda leitura não está, na realidade, nos diálogos ou nos
elementos de comédia que tem o filme, mas sim na constante sensação de
ameaça que gera a música de Bernard Herrmann. O tema dos créditos
principais ilustra musicalmente o trabalho gráfico do grande
Saul Bass, onde uma série
de linhas oblíquas e horizontais se entrecruzam até formar a estrutura
de um arranha-céu, que logo torna-se real. Ambos os artistas -
Bass e Herrmann -
entenderam o pano de fundo do filme, já que as linhas que se entrecruzam
representam esse destino caprichoso que nos encontra em um dia qualquer,
para mudar nossa vida.
No filme, Cary Grant, um publicitário bem sucedido, verá como se torce o
seu destino, ao ser confundido por engano com um agente secreto.
Neste contexto,
igualmente Herrmann se permite a um que outro momento de lirismo, muito
ao seu estilo, ao apresentar musicalmente a relação de Grant com Eve
Marie Saint, interesse amoroso tanto do protagonista como do vilão
(James Mason). Na faixa “Mount
Rushmore”, a perseguição ao final do filme, Herrmann recorre
a uma solução atípica, o uso do fandango - um furioso ritmo espanhol que
funciona como base de uma orquestração para metais e percussão. Esta
referência não busca uma caracterização de local (a ação transcorre
somente nos EUA), é apenas uma abstração que representa a louca corrida
do protagonista, sobre quem o mundo literalmente "caiu em cima".
Para quem quiser obter esta trilha sonora, North by Northwest foi
disponibilizada em duas versões: a completa (da RHINO Movie Music, que
apresenta as gravações originais) e a regravação regida pelo compositor
Laurie Johnson, o criador musical do score da série de TV dos
anos 60 Os Vingadores (The Avengers) e amigo pessoal de
Herrmann, editada por dois selos: o norte-americano Varèse Sarabande (VCD
47205) e o inglês Unicorn Kanchana (UKCD 2040). Estas são as opções para
desfrutar da partitura original de uma comédia de ação que diverte, mas
também faz pensar. O que não é incomum, tratando-se de Hitchcock e muito
menos de Bernard Herrmann.
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