No início
dos anos 1980, Ry Cooder já tinha seu nome escrito como um dos
mais conceituados bluesmen
de sua geração, tendo em seu currículo participações em álbuns
de artistas do porte de Rolling Stones, Van Morrison e Captain
Beefheart, e tendo lançado álbuns consagrados como “Get Rhythm”
e “Borderline”, quando decidiu aventurar-se no mundo das
trilhas sonoras. Logo em seu primeiro trabalho, para o
faroeste Cavalgada de
Proscritos, de Walter Hill, arrebatou o prêmio de
melhor trilha sonora do ano pela Associação de Críticos de Los
Angeles. E assim seguiu, trabalhando com Hill (foram nove
filmes juntos) e com diretores renomados internacionalmente
como Louis Malle (A Baía do
Ódio) e Wim Wenders.
A primeira parceria entre Wenders e Cooder rendeu uma das mais
bonitas e aclamadas trilhas da primeira metade da década de
1980, o cult
Paris, Texas. O
filme de Wenders é um
road-movie seco, reflexivo, sem muita ação ou
diálogos, que narra a história de um homem sem memória,
interpretado brilhantemente por Harry Dean Stanton, em busca
de sua família e de seu passado nas estradas do Texas. Assim
como o filme, simples na concepção, Cooder juntou-se a somente
dois músicos, os também guitarristas David Lindley e Jim
Dickinson, e criou com perfeição o clima para as andanças de
Travis Henderson.
Às vezes a transposição da grandiosidade de uma trilha da sala
escura para um CD se perde, mas isso não acontece nesse caso,
até porque não se trata de um
blockbuster. Mesmo
se você nunca tiver visto o filme, colocar a faixa título para
tocar e eu lhe disser “imagine uma pessoa andando sozinha,
devagar, numa estrada vazia no meio do deserto”, eu posso
apostar que é isso que você vai ver e sentir. Nessa faixa,
abertamente inspirada em “Dark Was The Night” de Blind Willie
Johnson, destacam-se de cara a
slide guitar de
Cooder e o violão de cordas de metal de Lindley, ambos
esbanjando feeling
sem se preocupar muito em ter um som limpo, o importante é
sentir a aridez do deserto.
A melancolia é latente em todas as faixas. Na canção
tradicional “Canción Mixteca”, cantada por Harry Dean Stanton,
você quase sente o cheiro da tequila em um barzinho vagabundo,
praticamente vazio, onde o cantor se apresenta para não mais
que meia dúzia de bêbados, absolutamente perfeita. Ou em “I
Knew These People”, onde as guitarras espanholas e o delicado
piano de Dickinson dão o clima para o diálogo entre Stanton e
Nastassja Kinski. Mesmo em “She’s Leaving The Bank”, onde os
três músicos começam devagar e aceleram o ritmo, fazendo um
blues clássico, a
música termina com a slide
guitar acabando com quaisquer esperanças.
Entendam-me, não se trata de uma música depressiva,
auto-destrutiva, de maneira alguma. A música de Cooder é feita
de muitos silêncios, de notas pequenas, mas de virtuosismo, de
sentimento, vibração somente a das cordas de metal dos
violões. Se você conheceu Cooder como produtor do maravilhoso
Buena Vista Social Club
ou pelo blues
elétrico de A Encruzilhada,
apague as luzes, escute Paris, Texas e deixe-se levar. |