Stardust - O Mistério da Estrela
foi um filme que não me atraiu, quando vi o
trailer pela primeira vez. Tivemos uma boa safra de filmes
de fantasia ano passado, como
A
Bússola de Ouro, Os Seis Signos da Luz e
Piratas
do Caribe - No Fim do Mundo, e pensei que
Stardust não teria nada a acrescentar. Quando meu
primeiro critério não é atendido pelo trailer do filme, eu
parto para audição da trilha – é claro que as vezes eu
inverto essa ordem, ouço primeira a trilha - e assim checar
se o filme pode ter algo de interessante. O nome do
desconhecido Ilan Eshkeri não me dizia muita coisa. O que
viria pela frente poderia ser tanto uma obra prima, como foi
o caso de Dario Marianelli (vencedor do último Oscar por
melhor trilha sonora em
Atonement) em sua estréia Hollywoodiana Os Irmãos
Grimm, ou uma trilha fraquinha como a estréia de de
Nicholas Hooper em
Harry Potter e a Ordem da Fênix. Ilan Eshkeri
superou minhas expectativas com uma trilha excelente. Não
chega aos pés de
Os Irmãos
Grimm – que na minha opinião se tornou uma
referência em qualidade de composição e orquestração
requintada, – mas cumpre seu papel com êxito e ainda é muita
agradável para audição isolada do filme.
Muitos compositores, no intuito de inovar ou então querendo
quebrar com clichês mais comuns nas trilhas de fantasia,
acabam abandonando elementos essenciais a um filme do
gênero. Ilan Eshkeri não cometeu esse erro. A trilha de
Stardust tem todos os principais clichês e elementos que
uma trilha de fantasia deve ter. O que na minha concepção é
muito bom. Elementos esses que estão tanto na estrutura
musical (melodia e harmonia) como também na orquestração.
Passagens mágicas de celesta e flauta. Arpeggios e
glissandos de harpa. Temas de madeiras e trompas, pizzicatos,
e harmonias bem Pós-Tonais são apenas uma parte de a toda
magia que está por vir.
A seguir analiso algumas faixas, as que considero mais
importantes em material temático de toda trilha.
Em "Prologue
(Through The Wall)", celesta, harpa, e violinos em tremolos
abrem a faixa. Wind chimes ao fundo reforçam a textura
mágica para as trompas entrarem, com um tema que me lembra
brevemente De Volta para o Futuro de
Alan Silvestri. O
coro entra cantando uma harmonia mágica e misteriosa. Os
violinos voltam, junto com cello e baixo em pizzicato. O
coro passa a cantar mais suave, deixando as cordas em
evidência, em seguida a entrada de um oboé. Vamos seguindo
com cordas e trompetes, e trombones ao fundo fazem stacatos
para auxiliar na marcação. Após temos uma calmaria, e
arpeggios no cello que toca em pizzicato.
Há uma “virada” aos
2:07 no melhor estilo
John Williams. As cordas voltam para
reforçar o ostinato que já vinham tocando, para convergir em
um clima meio "cigano" com uma percussão mais africana.
Cordas e fagote sustentam uma longa nota e entra o oboé com
um motivo suave e misterioso, que vai se propagando por
outros instrumentos e atrás de diminuendo a faixa nos deixa.
"Shooting
Star" é um dos temas de ação e aventura da trilha. Começa
calma nas cordas e trompa. Em seguida as cordas nos deixam e a
trompa segue na melodia, enquanto os violinos em tremolo
dão
sustentação. Um glissando de harpa muito rápido, abre para as
cordas entrarem com frases rápidas, que um pouco me lembra
"The Dark Mark" da trilha de
Harry Potter e o Cálice de Fogo, de Patrick Doyle.
Em seguida temos um momento mais melodioso, coro, trompete,
viola e violinos na melodia. Baixo, cello e trompa
fazem o fundo. Logo o corne inglês entra com uma melodia suave,
em seguida clarinete toca algumas linhas e num novo momento,
cordas fazem um recall da melodia que tocaram antes. O final
se aproxima, cordas e metais – e algumas madeiras dobrando
as linhas de metais de forma discreta - vão criando uma
textura mágica e se encaminhando para o final.
"Three
Witches" é o tema das três bruxas, principais vilãs do
filme. Ele toda vez que Lamia esfrega seu anel e volta ao
castelo onde vive com suas outras duas irmãs bruxas. Dentro do castelo, a cada vez que ela volta, há
um clima de feitiçaria e poder muito grande. Dá
pra notar que o diretor quis dar a idéia de que aquilo é uma espécie de reunião de
anciões clássicos em filmes de
fantasia, onde os mais sábios e poderosos se encontram para
decidir o que deve ser feito. Isso era o que eu sentia a
cada conversa entre as irmãs. Um rolo de timpani abre a
faixa, para depois cello e baixo tocarem um ostinato
bem
sinistro, que lembra um pouco o ritmo de marcha. Então
violinos e flauta, oboé e clarinete entram na harmonia, em
registro agudo. Após dois ou três acordes o registro
torna-se grave com cello, viola e violinos, e aparentemente
junto ao baixo um clarinete baixo e provavelmente o fagote
estão junto. Mais uma vez a marcação de cello e baixo. Em
seguida tremolo de corda, harpa e o coro bem no fundo, quase
imperceptível, criam uma textura mágica e assombrosa. Após
isso o cello, dobrado pela clarineta baixo, chega fazendo uma
frase que vai subindo e termina com apenas os violinos no tremolo,
uma breve pausa. Os violinos repetem a frase ascendente que antes o
cello
tocou, acompanhados de trompete e trombone tocados bem
suave, enquanto o baixo é tocado de forma bem aveludada. O cello
e acredito que as trompas fazem a harmonia. Em seguida
temos um momento com coral, bem intenso e mágico, que vai até
o fim.
"Lamia's Inn"
é a faixa mais longa do CD, e também controversa. Metais e cordas, apoiados em uma forte
percussão, abrem a faixa em um movimento grandioso e
assombroso ao mesmo tempo. A harmonia é muito interessante,
nenhum acorde diatônico nessa passagem, ou seja nenhum dos
acordes têm relação tonal entre si. Clarineta e cordas
tocam alguns acordes em crescendos e decrescendo. Entra a
flauta predominante na harmonia, junto com cordas, e a harpa
toca um motivo. Logo entra fagote, baixo e cello. O oboé
toca uma frase, a clarineta responde, e em seguida a flauta
assume. Após alguns momentos de trompas e cordas tocando
apenas a harmonia em dinâmicos crescentes e decrescentes, o
contra fagote apresenta uma frase. Cello e
clarinete dobram a próxima frase, para então o retorno da
harpa. Metais e cordas dissonantes e por fim uma nota bem
grave de contra fagote nos conduzem para outra seção da
faixa. Aqui está a parte controversa. Algumas pessoas
acreditam que o diretor tenha usado como temp track (faixa
temporária que normalmente diretores elegem como guia para a
cena, antes de a trilha original estar pronta) a trilha de
Drácula de Bram Stoker, principalmente a faixa
"Vampire Hunters", pois a semelhança é muito escancarada. Não apenas o
ritmo, mas a instrumentação também é a mesma. Cordas em
registro tenor (mais para média e grave, do que para agudo)
dando o ritmo de marcha, e contra fagote fazendo solo.
Provavelmente aconteceu o seguinte: o diretor gostou tanto
da temp track que pediu ao compositor que fizesse algo o
mais próximo possível. Não condeno isso, nem acho negativo.
Até porque sou muito fã dessa trilha do mestre Wojciech
Kilar, e ouvir qualquer passagem que me remeta a esta trilha
é uma experiência agradabilíssima, desde que seja um
trabalho bem feito - como é o caso aqui. Ilan Eshkeri criou
o tema com maestria. Não é fácil se manter dentro uma linha
previamente limitada e preservar a criatividade. O pior é ter que
fazer um tema parecido, sem que soe "igual". Ele conseguiu
soar muito parecido, mas a diferença temática ainda existe.
Depois desse momento temos alguns momentos com metais e
cordas, em seguida o ritmo de marcha retorna, e agora cordas
e metais vão fazer recalls de algumas idéias antes expostas
pelo contra fagote. E assim segue para o fim de uma das
faixas mais interessantes do CD.
"Cap'n's at the Helm" é uma faixa heróica, tema do nosso capitão
homossexual enrustido interpretado por Robert de Niro. A
faixa lembra temas aventurescos como os de Piratas do Caribe,
e foi
também associada por alguns críticos à "Overture" de
Robin Hood Prince of Thieves, de
Michael Kamen. Plágios a
parte, a faixa é muito interessante e apesar de curta traduz
bem o espírito que reina a abordo do navio voador. O tema é
basicamente tocado por cordas dobrando trompete, e em seguida
a trompa apresenta uma resposta ao tema. O ciclo repete,
sendo que dá para se ouvir uma frase bem rápida de flauta
entre um e outro. Aos 0:24 começa uma subida de metais,
então as cordas acompanhando com frases rápidas em crescendo
até a percussão marcar a chegada ao ápice e retorno à
calmaria. E é suavemente que a faixa vai se esvaindo.
Para fechar, "Epilogue" é um andantino, calmo com um certo
ar de Enya na harmonia tocante e um pouco celta. É um tema
curto, mas que fecha com maestria e de forma emocionante o
CD da trilha sonora de Stardust - O Mistério da Estrela.
Ilan Ehskeri provou ser um compositor muito competente, já
tinha mostrado isso em Hannibal Rising, e aqui apenas
confirmou. Com certeza podemos ter boas expectativas para
seus próximos trabalhos. Stardust é uma trilha que com certeza
estará na minha lista de preferidas por algum tempo.
|