Bernard Herrmann,
após ter composto tantas obras-primas da música de cinema, entrou em uma
espécie de ostracismo em meados dos anos 60. E o responsável maior por
isso foi ninguém menos que Alfred Hitchcock, cujos clássicos O Homem
Que Sabia Demais,
Um Corpo Que Cai
e Psicose
(entre outros) não seriam os mesmos não fossem as magistrais partituras
de Herrmann. Em 1966, Hitch, em busca de uma música "mais
contemporânea", rejeitou a trilha sonora que seu habitual colaborador
compusera para Torn Curtain (Cortina Rasgada), o que
encerrou a parceria entre o lendário diretor e o genial (mas irascível)
compositor. A trilha sonora acabou ficando a cardo de John Addison, e
após este fato Herrmann passou a ser visto como uma espécie de
dinossauro ultrapassado, sendo esquecido por Hollywood.
Foi graças principalmente a François Truffaut, um grande admirador seu,
que o compositor manteve-se em atividade (Fahrenheit 451, The
Bride Wore Black), até ser redescoberto por uma nova geração de
diretores norte-americanos e retornar à Meca do Cinema no início dos
anos 70. Para o roteirista-diretor Larry Cohen Herrmann compôs o
inquietante It's Alive (Nasce um Monstro, 1973), mas foi para o então jovem Brian De
Palma, que estava iniciando uma série de filmes inspirados por
Hitchcock, que ele produziu suas melhores obras do período: Sisters
(Irmãs Diabólicas, 1973) e Obsession (Estranha Obsessão,
lançado em 1976). Em 1975, após concluir seu trabalho para De Palma, o
veterano compositor, já com a saúde bastante debilitada pelo scotch
e pelo cigarro, dois prazeres dos quais não abria mão, foi contratado
por outro jovem e promissor diretor que aprendera a admirar e
reverenciar sua obra, Martin Scorcese: o filme, o magistral Taxi
Driver.
O próprio Scorcese, nas notas deste CD expandido, conta um pouco das dificuldades
para contratar o genial (e genioso) Herrmann, mas o esforço compensou.
Muito da opressão e da melancolia do filme advém da partitura, que
materializou a obsessão do protagonista, uma interpretação antológica de
Robert De Niro, ao som de fortes metais e percussão. Para as visões
noturnas de New York, filtradas através do pára-brisas do táxi de De
Niro, o compositor utilizou um estilo incomum para ele, o jazz. E
o fez como um especialista. Após uma introdução com percussão e metais,
no "Main Title" Herrmann nos apresenta uma primeira versão de seu tema
principal, uma composição elegante conduzida por sax alto. "Thank
God for the Rain"
e "Cleaning The Cab" acompanham a rotina miserável do motorista de táxi,
com os acordes da orquestra, suaves mas sempre opressivos, sendo
acompanhados pela bateria de jazz.
Na faixa 4 retorna o saxofone cool do tema principal, ao qual
posteriormente, na interpretação do "Betsy´s Theme" se juntam cordas e
um trompete com surdina que nos lembram mais
Alfred Newman,
em seus trabalhos orientados para o jazz, do que propriamente
Herrmann. O underscore prossegue, agregando elementos e acordes
de suspense típicos do compositor, que transmitem ao ouvinte a sensação
de que algo oculto nas sombras irá surgir ameaçadoramente a qualquer
instante. A partir de "The .44 Magnum is a Monster", é utilizado um
tratamento similar ao de It's Alive, com fortes acordes dos
metais, sopros, harpa e percussão. A isto o compositor agrega o piano
Fender nos momentos mais lentos, inclusive solando o tema principal. O
resultado é um conjunto de faixas opressivas e psicológicas, sem
concessões ao lirismo - exceção feita apenas às ocasionais notas do
motivo principal.
As faixas de nºs 1 a 11 contêm as gravações originais conduzidas por Herrmann, sendo as mais longas a reunião de composições criadas para
diferentes momentos do filme e disponíveis pela primeira vez em disco.
Algumas delas, com outra mixagem, já faziam parte do álbum original,
onde no entanto predominavam regravações de temas de Herrmann arranjadas
e regidas por Dave Blume, também incluídas nesta reedição da Arista. No
dia 23 de dezembro de 1975, Bernard Herrmann terminou de gravar a música
para Taxi Driver, voltou para o seu hotel e faleceu à noite,
enquanto dormia. Morria o homem e nascia o mito que legou à música de
cinema uma obra de qualidade excepcional, presente até a última nota
gravada. Em 1991 Scorcese prestou um belo tributo ao seu ídolo quando,
ao refilmar Cape Fear (Cabo do Medo), convidou o colega e
amigo do compositor,
Elmer Bernstein, para adaptar a trilha que Herrmann compusera para o
filme original. Bernstein foi além, e também utilizou trechos do
score rejeitado de Torn Curtain. Mas esta já é outra
história... |