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Com Os
Intocáveis (1987), o diretor Brian De Palma assumiu uma tarefa
de risco – adaptar para o cinema uma das mais cultuadas séries de TV de
todos os tempos (o que repetiria anos mais tarde com Missão
Impossível). A seu favor, De Palma teve um excelente roteiro, de
autoria de David Mamet, um elenco masculino excepcional integrado por,
entre outros, Kevin Costner, Sean Connery, Charles Martin Smith, Andy
Garcia e Robert De Niro, e uma inspirada partitura musical do maestro
italiano Ennio Morricone. “Il Maestro” à época já era um dos
mais respeitados compositores do cinema, tendo feito história ao
revolucionar a linguagem musical cinematográfica nos filmes de seu
conterrâneo Sergio Leone, em vários westerns, policiais e
diversas produções européias e dos EUA. Apesar de prolífico, Morricone
ainda se mantém em atividade como um criativo profissional do ramo, onde
cada uma de suas partituras apresenta tratamentos incomuns de
composição, harmonia e orquestração. Ou seja, deste compositor, espere
sempre o inesperado…
Neste sentido, De Palma arriscou ao contratá-lo para compor a trilha
sonora de Os Intocáveis, já que teria sido muito mais seguro
providenciar um score convencional, de um compositor mais
conhecido das platéias norte-americanas. Mas o fato é que a “ousadia” do
diretor mostrou-se acertada, até porque quem conhece o trabalho do
maestro sempre apostará na qualidade superior de sua música. Dentre os
trabalhos realizados por Morricone para Hollywood, The Untouchables
possui uma posição de destaque; cada composição funciona
excepcionalmente bem no filme, capturando as emoções e o clima presentes
em cada cena, e em disco, dissociadas das imagens, as faixas
correspondentes possuem um elevado valor intrínseco. Na essência, sua
partitura é tradicional, “motívica”, ou seja, gravita em torno de alguns
motivos principais dedicados aos “mocinhos” do filme.
O principal deles é ouvido com pleno desenvolvimento na faixa que inicia
o CD, “The Untouchables (End Title)”. No filme a composição é a última a
ser ouvida, mas a inversão da ordem no CD é mais do que justificável. É
uma feliz transposição musical da força e da nobreza do grupo liderado
pelo policial Elliot Ness (Costner), denominado “Os Intocáveis”,
encarregado da imensa tarefa de combater a corrupção e o crime
organizado em plena vigência da Lei Seca, nos Estados Unidos dos anos
20. Orquestral, melódico e por vezes glorioso, também ouvimos o tema em
“Victorious”, que representa a primeira ação bem sucedida dos
protagonistas. Outro tema relevante é dedicado ao grupo, porém com
ênfase na emoção e na amizade que se desenvolve entre Os Intocáveis. Por
vezes melancólico e triste (“Death Theme”), o tema tem a sua melhor
representação em “Four Friends”. Juntamente com as composições dedicadas
ao policial e à sua família (“Ness And His Family”), ele é responsável
pelos momentos mais líricos e emotivos do score.
Por fim, temos um tema que representa os perigos e os desafios que o
grupo deverá enfrentar, bem como a determinação necessária para tanto.
Ele é ouvido inicialmente em “The Strength Of The Righteous (Main Title)”,
e é o tipo de música que não esperaríamos ouvir em um filme como esse.
Não há uma melodia propriamente dita, mas essencialmente ritmo: sobre
uma cadência de bateria e piano, cordas e sopros fazem rápidas
intervenções, e de tempos em tempos ouvimos ao fundo uma gaita de boca
quase idêntica à utilizada por Morricone em Once Upon A Time in the
West (as notas são praticamente as mesmas). Pode-se entender que a
intenção do compositor foi transmitir a idéia de que os policiais seriam
cowboys modernos, desafiando inimigos muito mais poderosos do que
eles, etc., mas particularmente acredito que foi simplesmente uma bem
colocada e inteligente auto-referência do maestro. Este tema, ameaçador
e ao mesmo tempo estranhamente divertido (graças a trechos da
performance dos sopros) também se destaca em “On The Rooftops”,
composta para uma cena de ação que possui um desfecho de impacto.
Mas os vilões não foram esquecidos, já que o famoso gângster com a
cicatriz no rosto (De Niro) também ganhou a sua música, representada no
CD por “Al Capone”. Introduzida por pianola e depois adornada por
trompetes de jazz, a faixa possui influência da música do
período, devidamente reciclada por Morricone com uma bateria eletrônica.
Além destes temas e motivos, o maestro também demonstra ser um magistral
construtor de climas, em faixas de suspense como “Waiting At The Border”
(na qual utiliza sintetizadores nos moldes de The Thing, também
de sua autoria), “The Man With The Matches” (violinos e, novamente, a
gaita de boca) e “Machine Gun Lullaby”, esta uma longa construção de
sete minutos baseada em uma canção de ninar, que resultará em um
carrinho de bebê descendo sem controle uma escadaria, em meio ao fogo
cruzado dos Intocáveis e dos gângsteres. A cena, assim como a música, é
antológica e genial.
Enfim, se há algo a criticar neste CD de The Untouchables é a sua
curta duração – seus meros 39 minutos nos deixam querendo muito mais da
maestria de Morricone. Ainda assim, é uma boa representação desta trilha
sonora de exceção, que valeu ao seu autor um Globo de Ouro e uma de suas
cinco indicações ao Oscar. |
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