No que se refere à
música, a saga dos X-Men
corria o risco de converter-se numa das franquias mais descafeinadas do
cinema moderno. Nem o falecido
Michael Kamen, com
uma partitura monótona e previsível, nem o jovem John Ottman, que obteve
melhores, mas igualmente triviais resultados, conseguiram dotar seus
trabalhos com a força musical que seria necessária à conhecida marca da
Marvel. Da
contribuição de Kamen
pouco ou nada podemos resgatar; Ottman, por sua vez, compôs um tema
central muito atraente (“Suite from X2”), mas que se perdia entre uma
sucessão de artifícios orquestrais absolutamente planos e rotineiros.
Agora John Powell, o compositor de
X-Men: The Last Stand, assim como em seu recente
Ice Age 2, assume a tarefa de
compor a música de uma seqüência sem utilizar material usado pelos
músicos anteriores (menos mal). Se no filme animado ele cumpre com
louvor seu compromisso, igualando – se não até superando - os resultados
de David Newman para o longa-metragem original, aqui ele escreve sem
dúvida a melhor partitura da série mutante, e que também é o trabalho
mais atraente do gênero em 2006, até o momento. Mas o que oferece o
autor que mereça ser qualificado como uma de suas partituras mais
complexas e que quase nos faz esquecer suas antecessoras na saga? Acima
de tudo, ele apresenta uma obra completa, com um vestuário sinfônico
atraente e um grau de coesão entre os temas que a coloca longe do
“enganador” artifício sonoro no qual caíram os exemplares anteriores.
Se há algo para destacar nesta partitura, é o fato de que Powell acerta
ao finalmente capturar o espírito musical necessário, tendo em vista as
personalidades singulares dos X-Men. É óbvio que não estamos frente aos
super-heróis de sempre, mas sim ante um grupo de mutantes que lutam para
defender os valores de uma sociedade que os rejeita e os obriga a sofrer
no ostracismo de suas peculiaridades anatômicas. Tendo isto em mente,
John aprofunda esta idéia e acerta em cheio com esta aproximação
contundente (com maior presença do tema central que nas partituras
anteriores), mas sempre órfã de pretensões puramente heróicas que
pudessem desviar as intenções moralistas louvadas pelos quadrinhos e
transpostas para a tela pelo diretor Brett Ratner.
Adicionalmente, o
argumento deste X-Men 3: O Confronto
Final introduz um elemento que Powell capta com destreza: há
uma cura recém descoberta para as anomalias dos mutantes, elemento que o
compositor traduz na preciosa melodia de “Angel’s Cure”, que terá grande
peso no álbum, como segundo tema em importância. Powell acabará
associando-a, com seu ar vivaz e triunfalista, ao “bem” representado
pelos mutantes do Professor Xavier, e a certos instantes de
recolhimento, como na terna interpretação de sopros e cordas de “Skating
On The Pond”.
Simplificando, poderíamos definir o álbum como uma mistura do
Elfman vigoroso de
ontem e do Beltrami anti-heróico ouvido, por exemplo, em
Hellboy. Do primeiro toma as
repetições tão características dos metais, bem como certos devaneios nas
cordas (ambos recursos muito claros, por exemplo, nos segundos finais de
“The Battle of The Cure“), lembrando em algumas passagens os tempos do
mítico
Batman;
enquanto que de Beltrami assume o tom decadente e obscuro, cuja
representação na tela vem em afortunadas dissonâncias e orquestrações
sombrias (particularmente reconhecível é o uso incessante, por exemplo,
de percussões metálicas). Esta combinação, com a qual poderemos estar
mais ou menos de acordo, não obstante dá origem a um equilíbrio
harmônico perfeito, convertendo o CD em uma audição sumamente agradável
- em que pesem os mais de 60 minutos de música que a Varèse nos
disponibiliza.
Mas o melhor de tudo é que Powell não fica só nisso, e igualmente
imprime uma marca própria ao conjunto, que vai além daqueles leves (mas
acertados) clichês ou referências. Sobretudo no que se refere aos
fragmentos introspectivos, que frente às outras partituras, se
apresentam mais numerosos e abertamente melódicos: tanto “Whirlpool of
Love” como a elegíaca e quase barryniana “The Funeral”, oferecem
bem-vindas pausas líricas em meio à agressividade da maior parte do
score.
Um dos principais equívocos de Michael Kamen foi perder-se na
incidentalidade sem desenvolver um tema central reconhecível, o que se
fazia absolutamente necessário. Algo que Ottman conseguiu em parte com
aquele motivo nervoso de seis notas, mas que definitivamente Powell
atinge com o main theme
mais elaborado e coerente com o espírito do
comic (“Bathroom Titles”).
Este sim poderia ser criticado, ainda que erroneamente, por ser
ritmicamente parecido com certo trecho do célebre
Superman de
John Williams; ou
também por seu caráter menos retentivo frente a outros do cinema
moderno. A este respeito, ele não é nem o melhor de Powell nem o mais
imediatamente reconhecível de sua filmografia, e curiosamente tampouco o
mais virtuoso da partitura; mas o certo é que se trata de uma composição
acertadíssima no que se refere à sua adequação com a trama.
E tendo em mente que estamos diante de uma obra muito distante da
sonoridade simpática e leve de
scores como Chicken Run
ou Robots, não surpreende
em absoluto que este trabalho seja totalmente entregue à sonoridade
sinfônica. O músico inglês tradicionalmente se destacava pela tremenda
habilidade para juntar a eletrônica com o classicismo, sem que nenhum
dos recursos “devorasse” em excesso ao outro. Aqui, no entanto, ele opta
por formas abertamente orquestrais (salvo leves sonoridades sintetizadas
aplicadas unicamente ao ritmo), onde conta com a inestimável ajuda de um
coral feminino que fornece o exato grau de grandiosidade - algo que tem
em comum com o
X2 de
Ottman.
As faixas eminentemente ambientais (“Examining Jean”, “Entering The
House”) são escassas, sendo suplantados na edição em disco pela ação
cheia de adrenalina (“Cure Wars”, “Attack On Alcatraz”), onde Powell
descarrega o que tem à mão para estremecer e agredir o espectador, tudo
com um exemplar manejo das transições rítmicas. E o que é importante:
com orquestrações perfeitas, graças às quais a partitura traz um som
cristalino que sustenta a sobrecarga orquestral oferecida durante muitos
minutos.
Por sua qualidade e importância no filme, não poderia encerrar o
comentário sem fazer menção especial às últimas três faixas do CD. Um
quarto de hora de autêntica explosão sinfônica, que arranca com o
tremendo tour-de-force de
“The Battle of The Cure”, prossegue com a espetacular progressão do
coral feminino em “Phoenix Rises”, e finalmente culmina no deslumbrante
medley de
leitmotivs de “The Last
Stand”. Um brilhante epílogo, que no seu tom emotivo esconde a mais que
provável conclusão definitiva da saga em sua versão cinematográfica.
Em resumo, creio que este trabalho comprova que estamos frente a um dos
três ou quatro compositores mais originais e inspirados do panorama
hollywoodiano atual. Não o percam este
score, sob pena de ficarem
para sempre marcados pelas garras de Wolverine. |