Há tempos disponíveis no mercado de vídeo
brasileiro, os DVDs de A Trilogia das Cores apresentam os três
últimos filmes dirigidos pelo cineasta polonês Krzysztof Kieslowski,
tendo como tema as cores da bandeira francesa e os conceitos "Liberdade,
Igualdade e Fraternidade", da Revolução Francesa, vistos sobre a ótica
dos dias de hoje. Trata-se de uma obra representante daquilo que se
convencionou chamar da "cinema de arte" (o que eu descordo, afinal
qualquer filme é arte, mesmo que arte extremamente medíocre) com grande
sucesso de público e crítica em vários países, tendo sido indicada a
três prêmios Oscar - direção, roteiro e fotografia (o terceiro filme, "A
Fraternidade é Vermelha").
Sendo um grande admirador do trabalho deste visionário,
vibrei quando soube de seu lançamento em terras brasileiras. Com todas
as possibilidades apresentadas pelo formato DVD, como seria maravilhoso
assistir a esta obra! Três filmes que fazem parte de um todo mas não são
seqüências imediatas um do outro. Uma obra que só se compreende ao
assistir aos três, na ordem das cores da bandeira da França, azul,
branco e vermelho.
Imediatamente adquiri os três títulos, "A Liberdade é Azul" (na verdade,
recebi de presente), A Igualdade é Branca" e "A Fraternidade é
Vermelha". Havia um porém: no site da DVD Versátil, empresa que lançou
os títulos no Brasil, havia na ficha técnica dos mesmos, a seguinte
informação: "Formato da Tela: Fullscreen".
Como há alguns anos a Look Vídeo havia
lançado a obra em VHS (que também possuo), suspeitei que talvez tivessem
sido aproveitados os mesmos masters anteriormente utilizados pela
distribuidora. Resolvi assim mesmo arriscar meus míseros e suados reais
e ver o que teria em mãos. E
infelizmente eu estava certo. E o pior é que não acaba aí. Há sérios
problemas quanto ao planejamento desse lançamento no Brasil. Aqui vai
uma lista dos defeitos encontrados nos DVDs:
1. A
imagem está suave demais, nem parece um DVD mas sim as fitas lançadas
pela Look, que tenho aqui para comparação. As cores estão desbotadas,
sem a menor definição. A melhor imagem (porque não dizer, a menos ruim?)
dos três foi a do primeiro, "A Liberdade é Azul", que ainda se mantém um
pouco mais clara e definida, desde que não sejam cenas à noite. A partir
do segundo, "A Igualdade é Branca", as coisas só tendem a piorar. Dos
três, "A Fraternidade é Vermelha" foi o mais prejudicado, apresentando
inclusive os lamentáveis dropouts e falhas de vídeo em
determinadas cenas (como por exemplo, na cena do boliche). Parece até
que estamos vendo uma velha e bem usada fita em VHS! É mais do que óbvio
que eles devem ter usado os mesmos masters utilizados pela Look
Vídeo. Esse mesmo defeito pode ser encontrado logo no início de "A
Igualdade é Branca", durante os letreiros de abertura;
2.
O
enquadramento, que no terceiro filme (o meu preferido) é muito mais
essencial do que nos outros dois anteriores, está seriamente prejudicado
pelo fato da imagem ser em fullscreen. Nas conversas entre
Valentine e o Juiz, há vezes em que não conseguimos ver o rosto de
Jean-Louis Trintignant e quase não dá para perceber o de Irene Jacob.
Isso também ocorre na cena final, com o rosto de um dos personagens (não
devo contar mais detalhes sobre essa cena, pois fecha com chave de ouro
a trilogia). Também ocorre quando Valentine e o seu vizinho quase se
encontram num cruzamento (ele derruba o livro de direito no chão), pois
a luz de freio, em vermelho, enquadrada em primeiro plano quase que
desaparece, acabando com as intenções do diretor de banhar quase todas
as cenas em um tom de vermelho;
3.
Há
um pequeno descuido na seção Notas de
Produção de "A Liberdade é Azul": quando se
lê "as negociações começaram há cerca
de 2 anos". 2 anos com relação a que? Ao
lançamento do filme, à sua produção,
às filmagens? Não seria melhor algo como
"começaram em 1992, cerca de 2 anos antes do início da
produção"? Tudo bem, é um errinho mas que acaba
por tirar a credibilidade quanto à precisão das
informações, mostrando que não houve um cuidado
maior na revisão final dos extras;
4.
E mais: acho inconcebível que
não tenham legendado o trecho da carta de Paulo aos Coríntios, durante a
cena final de "A Liberdade é Azul", quando a sinfonia pela unificação da
Europa é executada na trilha sonora. A letra é importantíssima para
compreensão do final do filme. Mas se você for ler a sinopse, lá está
ela, em toda a sua glória, na última tela! Se a letra está lá, se eles
sabem qual é a fonte do texto (Coríntios, 13 - Versículos 1 a 13),
porque não colocá-la onde realmente deveria estar, durante a exibição do
filme?
5.
Há também
uma falha grave nas legendas de "A Fraternidade", aproximadamente aos
57:38, quando o juiz diz que por causa de suas denúncias, "ela conheceu
um outro rapaz", esta frase simplesmente não aparece, tendo eu que mudar
o áudio para português para descobrir o que foi dito. Não sei se tem a
ver com o meu aparelho. Teste no seu para ver se o defeito aparece;
6.
Mas o que
eu achei triste de ver é o chamado "trailer" que eles colocaram nos
extras em todos os três discos: amador, sem lógica, uma colagem de cenas
parece que feita às pressas, apenas para tapar buraco. Puxa, vocês estão
em São Paulo! Será que não existem bons editores de imagens por aí? Ora,
se não foi possível para a Versátil encontrar o trailer dos filmes,
melhor seria não ter inventado coisa alguma, ao invés daquilo, concorda?
Só para ter uma idéia, a imagem do trailer mais parece a cópia da cópia
da cópia de um vídeo em VHS, com as legendas das fitas da Look Vídeo:
simplesmente tétrica;
7.
Outra
coisa: para que incluir a sinopse do filme no próprio DVD? Por acaso
quem comprou ou alugou vai preferir ler a estória na tela da TV,
página após página, ao invés de simplesmente assistir ao filme?
8.
Pelo que
me parece, as entrevistas nos extras foram originalmente exibidas no
Euro Channel, e o entrevistador parece ser o crítico de cinema Rubens
Ewald Filho. Porque então este não foi identificado? Serviria no mínimo
de marketing para o disco. Porque a entrevista com Kieslowski é a mesma
nos três discos? Mistérios... mistérios...;
9.
E, last
but not least, faltou mencionar nos extras o excelente trabalho de
Andréa França, o livro "Cinema em Azul, Branco e Vermelho - A Trilogia
de Kieslowski", onde ela analisa esta obra, sendo portanto leitura
indispensável para quem desejar compreender um pouco mais sobre o
processo de pensamento deste grande diretor. Encontra-se listado no site
da Livraria Cultura, mas não sei se ainda está disponível para compra ou
encontra-se esgotado.
Para
não dizerem que estou sendo duro, injusto ou irresponsável com a minha
resenha deste lançamento, tenho a dizer que pelo menos a Versátil parece
ser uma empresa ousada. Eles tiveram o cuidado de ao menos colocar belos
labels nos discos e escolher títulos a dedo, além de colocar
belos e elegantes menus e de inserir textos com informações
interessantes sobre a produção dos três filmes. Infelizmente parece não
ter havido o devido cuidado na concepção e finalização destes três
títulos tão importantes para o catálogo de uma empresa de vídeo. Tudo
bem, não é uma empresa grande e cheia de recursos, como as majors
americanas. Nem sempre é possível ter em mãos masters de
qualidade. Mas os erros existem, são um fato consumado. É só colocar os
discos para tocar e você poderá testemunhá-los também. Faltou cuidado
quanto à Trilogia das Cores em DVD. São deslizes graves que estragam o
prazer de assistir a tão importante obra-prima do cinema,
principalmente que, considerando-se os quase R$ 100,00 gastos em sua
aquisição, é de se esperar um excelente resultado, o que não se deu
neste caso. O que parece ter faltado foi a consciência de que neste
mercado específico não basta apenas ter um título de peso para oferecer
ao consumidor. É preciso mais do que isso. É preciso ter uma idéia de
conjunto, de harmonia entre as partes de um todo. Não adianta nada uma
embalagem bonita, com um label maravilhoso sobre o disco, se o
conteúdo deixa a desejar.
Se você quiser algo de melhor
qualidade, é melhor controlar seu impulso de comprar os discos. Se
possível, alugue-os e tire suas próprias conclusões. É um lançamento
que talvez (repito: talvez) valha a pena comprar se você for realmente
um adorador da Trilogia, como eu. Afinal, apesar de tudo, a mensagem de
Kieslowski ainda é poderosa, mesmo que suas cores estejam desbotadas
pelo descuido. Agora, se tiver recursos, o ideal é importar as versões
disponíveis na Região 1, lançados depois dos DVDs brasileiros e com
imagem e som muito superiores.
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