O
SENHOR DOS ANÉIS: A SOCIEDADE DO ANEL
(The Lord of The Rings:
The Fellowship of The Ring, EUA, 2001) |
"O
mundo está dividido entre aqueles que leram O SENHOR DOS ANÉIS e aqueles que não
leram". Essa frase, cunhada de um famoso jornal estadunidense, serve
perfeitamente para expressar o impacto e a importância da obra de J.R.R.
Tolkien no mundo ocidental. Agora, graças ao cineasta Peter Jackson, a balança
vai pender ainda mais para o primeiro lado, pois chegou o momento que legiões
de apreciadores do livro esperavam há mais de 18 meses: a estréia da mais
audaciosa adaptação de O SENHOR DOS ANÉIS. E o resultado final não poderia
ser melhor. Palmas para Jackson que conduziu o projeto com grande paixão e
controlou todos os aspectos da produção, evitando assim que fossem cometidos
os mesmos erros da fraca adaptação para as telas do fenômeno passageiro HARRY
POTTER, que acabou nas mãos de um diretor medíocre e teve qualquer chance de
tornar-se um ótimo filme de fantasia dissolvida pelo excesso de merchandising e
preocupações em agradar as exigências absurdas da autora.
Jackson
seguiu o caminho oposto. Controlou tudo desde o início, escalou um elenco
formidável com poucos nomes famosos mas que esbanjam talento e competência, não
fez concessões comerciais (exceto talvez chamar a soporífera Enya para compor
duas canções) e colocou a cara para bater, inclusive indo contra os herdeiros
de Tolkien que rejeitaram o projeto. Azar deles, pois o primeiro capítulo da
trilogia, A SOCIEDADE DO ANEL, é acima de tudo um filme maravilhoso para os
olhos e para os ouvidos. Tudo que aparece em cena é perfeito - as paisagens, os
efeitos especiais, os cenários... Realmente os efeitos visuais são um caso à
parte: fluídos, extremamente naturais e convincentes, jamais agridem os
sentidos ou desviam a atenção da trama. São impressionantes as primeiras
cenas em que Gandalf (Ian McKellen) interage com Bilbo (Ian Holm). Quem não
conhece vai sair do cinema achando que Holm é realmente um anãozinho!
Outro
ponto alto do filme é a sua música. Jackson acertou em cheio ao chamar Howard
Shore (dos filmes de David Cronenberg e SEVEN), um músico de verdade para
compor, orquestrar e conduzir a trilha sonora, batendo o pé contra as exigências
do estúdio, que queria contratar o plagiador James
Horner (de TITANIC) ou o medíocre Danny
Elfman, que já havia trabalhado com Jackson em OS ESPÍRITOS. Shore compôs
para A SOCIEDADE DO ANÉL uma música séria, complexa e isenta de clichês
banais, alternando magistralmente momentos bucólicos (associados aos Hobbits) e
poéticos, a outros pesados e aterrorizantes (o ponto alto é a seqüência nas
Minas de Moira, especialmente quando um coral de vozes sussurrantes anuncia a
chegada do Balrog). Isso sem falar no tema da Sociedade do Anel, que transmite
com perfeição toda a nobreza dos Nove Companheiros e sua terrível missão.
É
claro que o filme tem alguns defeitos (a seqüência da fuga de Bri até a
chegada ao Topo do Vento é rápida e truncada demais) e problemas (efeitos
grotescos desnecessários, como o nascimento dos Huruk-Hai que grunhem e rosnam
excessivamente, Bilbo ficando com carinha de monstro repentinamente, Galadriel
transformando-se em bruxa flutuante), mas que jamais chegam a comprometer o
resultado final. Ainda mais se levarmos em conta a excelência do elenco, que
nunca deixa o filme cair. Elijah Wood como Frodo consegue passar com tranqüilidade
o fardo carregado pelo pacato Hobbit, que tem em suas mãos o destino da Terra-Média.
Ian McKellen esbanja carisma como o mago Gandalf e, juntamente com Christopher
Lee (como Saruman), rouba todas as cenas em que aparece.
Viggo
Mortensen dá o tom exato ao arredio porém nobre Passolargo (cuja importância
e participação na trama vão aumentar nos próximos filmes). Mas quem
surpreende mesmo é Sean Bean (de RONIN e JOGOS PATRIÓTICOS), um ator até então
antipático e afetado, que conseguiu passar de forma extremamente convincente
todo o conflito vivido pelo guerreiro Boromir. Apenas Orlando Bloom, como o elfo
Legolas, acaba sendo um pouco inexpressivo e não causa maior impacto. Não há
mesmo muito mais o que dizer de um filme desse porte, cujo esmero técnico é
balanceado por uma trama densa, complexa, rica em detalhes e magia – tudo
perfeitamente captado pelo roteiro brilhante de Philippa Boyens, Peter Jackson,
Stephen Sinclair e Frances Walsh, que ainda tomaram decisões sabias ao mudar
alguns elementos do livro.
Há
que se lamentar, entretanto, os comentários insidiosos perpetrados por
pseudo-críticos (como os publicados pela revista Capricho e pelos jornais O
Globo e Folha de São Paulo), que entre outras imbecilidades qualificaram A
SOCIEDADE DO ANEL como "um filme gay" ou "caça-níqueis".
Infelizmente, em tempos de cinismo e pragmatismo exacerbados, deve mesmo ser difícil
para pessoas mal resolvidas e pretensiosas ver nas telas homens chorando, abraçando-se
e até beijando-se em nome de laços de amizade forjados à base de nobreza e de
sacrifício, ou mesmo ter capacidade para enxergar a mensagem de respeito ao próximo,
tolerância e amor que existe por trás de toda a mística e magia existentes na
trama. Para esses, existe sempre a psicoterapia ou mesmo um filme para quem
gosta de fazer "cara de conteúdo"... Para todo o resto, sobram
momentos de pura emoção e alegria que somente um grande filme baseado na obra
do grande J.R.R. Tolkien poderia passar. O duro vai ser esperar até janeiro de
2003 para ver AS DUAS TORRES. E até 2004 para O RETORNO DO REI. Haja paciência...
Cotação:
*****
André Lux |