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MENINA DE OURO (Million
Dollar Baby, EUA, 2004)
Gênero: Drama
Duração: 137 min.
Elenco: Clint Eastwood, Hilary Swank, Morgan Freeman, Jay Baruchel,
Mike Colter, Lucia Rijker, Brian F. O'Byrne, Anthony Mackie
Compositor: Clint Eastwood
Roteiristas: F.X. Toole, Paul Haggis
Diretor: Clint Eastwood
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Velhice e culpa
Com este emocionante e sofrido drama,
Clint Eastwood, que além de dirigir também produziu, interpretou e compôs a
trilha sonora, prova que é um dos melhores cineastas em atividade
Vi o novo filme de Clint Eastwood depois de uma
sessão de MAR ADENTRO,
de Alejandro Amenábar, e não sabia o quanto os dois filmes tinham em comum. MAR
ADENTRO me fez chorar bastante, mas o filme de Clint teve um efeito diferente.
MENINA DE OURO (2004) nos deixa com um nó na garganta, com o coração pesado e
permanece bem mais tempo na memória do que o ótimo filme espanhol, crescendo em
valor cada vez mais.
Já faz algum tempo que o tema da velhice tem sido uma constante na obra de Clint
Eastwood. Mesmo antes de estar tão velho, como em BRONCO BILLY (1980), por
exemplo, o diretor já mostrava personagens deslocados no tempo. Basta lembrar da
cena da tentativa de assalto ao trem. Mas ali era só o começo. O velho caubói
ainda faria o, até então, filme definitivo sobre o homem velho, que é OS
IMPERDOÁVEIS (1992). Em MENINA DE OURO o tema é aprofundado ainda mais, além de
avançar na questão da culpa, que também já havia sido muito bem trabalhada em OS
IMPERDOÁVEIS.
No novo filme, os três personagens principais estão no limite da idade. Eastwood
interpreta um treinador de boxe, velho e amargurado, que sofre por não conseguir
mais se corresponder com a filha. Tudo o que lhe restou foi a academia de boxe,
o velho amigo e parceiro Morgan Freeman, que no passado foi um boxeador, e um
amigo que é padre, que sempre o vê na missa todos os dias, às vezes fazendo
perguntas racionais sobre os dogmas irracionais da Igreja. Até mesmo a
personagem de Hilary Swank (excelente), a obstinada discípula do treinador,
também está velha demais para começar a lutar.
A própria Hilary se identificou bastante com a personagem, já que ela também
veio de uma família bem pobre e lutou muito para se tornar uma atriz em
Hollywood. Por isso, e por causa de sua entrega total à personagem, o seu
desempenho é tão convincente. O fato do filme mostrar uma boxeadora mulher torna
as cenas de luta ainda mais perturbadoras, no sentido de que as mulheres são em
geral mais delicadas fisicamente do que o homem e são mais ligadas à beleza
estética. Não é fácil vê-las levar socos no nariz, nos olhos, no fígado e nos
seios.
As cenas na Igreja são bem representativas da culpa, sentimento tão associado à
religião católica. É a culpa o principal eixo temático do filme. A culpa por não
ter sabido ser o pai que deveria ser; culpa por não ter impedido o fim da luta
que deixaria Morgan Freeman cego de um olho; e uma culpa ainda maior que surgirá
no final do filme. Esse sentimento de pesar é compartilhado pelo público, que
acompanha a dor do personagem. E esse sentimento é tão doloroso que o personagem
de Clint em certo momento transfere a culpa para o personagem de Morgan Freeman,
seu melhor amigo, para depois se arrepender de ter feito aquilo (curiosamente, o
diretor não é católico).
A já conhecida direção econômica de Clint Eastwood aparece ainda mais evidente.
É o cinema essencial em sua excelência. Aqui, não há muito espaço para lágrimas,
mesmo nas cenas onde a dor impregna o ambiente. O sentimento está no rosto
sofrido e de pedra do treinador e também na expressão de seu ajudante Morgan
Freeman, que é também o narrador do filme. A narração daquele que é considerado
o melhor ator do mundo pelo amigão Clint faz a marcação da melancolia em tons
poéticos. Seu personagem é o mais sóbrio do filme, e aquele que tem melhor
resolvida a capacidade de manifestar amor e solidariedade.
A performance de Clint como ator está brilhante, provavelmente esta é sua melhor
atuação. Logo atrás, ficaria o papel do jornalista de CRIME VERDADEIRO (1999). E
saber que ele dirigiu essa obra-prima e ainda atuou, produziu e compôs a trilha
sonora só atesta a sua posição, que é a de ser um dos melhores cineastas em
atividade do mundo. Ele sempre teve uma extraordinária presença física, mas foi,
várias vezes, considerado um ator limitado. Com seu desempenho em MENINA DE
OURO, acredito que pouca gente dirá isso novamente. O efeito tempo tem estado do
lado do velho Clint, como diz uma certa canção de outro herói da resistência:
"Time is on my side. Yes, it is".
MENINA DE OURO ganhou os Oscars de Melhor Filme, Diretor, Atriz e Ator
Coadjuvante. Mereceu, mas Oscar não significa nada para um filme dessa dimensão.
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