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JOGOS MORTAIS (Saw,
EUA, 2004)
Gênero: Suspense
Duração: 102 min.
Elenco: Leigh Whannell, Cary Elwes, Danny Glover, Ken Leung, Dina
Meyer, Mike Butters, Paul Gutrecht, Michael Emerson
Compositor: Charlie Clouser
Roteiristas: James Wan, Leigh Whannell
Diretor: James Wan
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Estética da morte
Filme de James Wan, apesar da atuação
constrangedora de Danny Glover, ganha força no seu terço final e garante ao
espectador alguns momentos soberbos
Sempre admirei artistas que levam seus
trabalhos às últimas conseqüências. Sei que há um quê extremamente romântico na
apreciação do artesão obcecado pela sua arte, que compõe surdo, ou escreve
deprimido, ou até mesmo enlouquece por causa daquilo que faz. Mas não deixa de
ser legal ver o quanto essa obsessão pode romantizar a nossa visão do trabalho
do artista.
Contudo, há aqueles que fazem isso conscientemente, que vão às últimas
conseqüências sem sair do centro, digamos, como vemos em autores como Michael
Haneke, que não têm medo de onde os tiros que dispara podem acertar. Se
Jogos Mortais, no entanto, parece
ter uma premissa bastante interessante, fica, no fim das contas, um certo ranço
de incerteza, um semi-medo de não estar atirando para o lado certo.
Vejamos, não se subentenda que o filme de James Wan não me deu alguns momentos
de prazer estético. O filme é muito bem cuidado, feito com apuro e zelo, dá pra
notar que o pessoal envolvido estava dando o sangue (e mais um pouco) para a
realização de um projeto, senão ousado, no mínimo criativo. O que
particularmente me incomodou nessa história é que o filme anuncia uma coisa,
mas, ao longo de seu desenrolar, não parece ter muita coragem de levar a cabo o
que anunciou, com a exceção dos magníficos dez minutos finais – aí sim, o
diretor parece chutar o pau da barraca e decide ir às últimas conseqüências (e,
veja bem, isso não tem nada a ver com a surpresa final... surpresas finais para
mim são coisas completamente adjacentes, servem apenas como recurso narrativo e
não determinam em absoluto minha percepção de determinada obra – apesar de que,
aqui, ela não parece ser gratuita).
Aqueles que viram o filme devem pensar que eu sou maluco. Então colocar uma
armadilha de urso reversa na boca de uma mulher, fazer um gordo atravessar uma
‘cama de gato’ feita de arame farpado, obrigar a mesma mulher a esfaquear um
cara drogado para encontrar, no seu estômago, a chave para sua salvação (a
redentora, no caso) etc., etc. – tudo isso não é um teste de estômago, levar as
situações até seu limite? Pode ser que seja para outros, mas, para mim, isso não
é. Mortes engenhosas não deixam de ser morte – e é justamente isso que, na minha
opinião, deixou a desejar. O peso da morte nunca está presente, e sim a morte em
si, a morte pela morte, sem suas repercussões. A dor dos que ficam parece ser
destilada, servindo apenas de aparato narrativo. Isso não é algo ruim – pelo
contrário, é questão de estilo.
No entanto, James Wan parecia querer dar à narrativa um tom de ‘valorize sua
vida’, mas o filme, com seus petrechos engenhosos, não abre espaço para essa
reflexão. Enquanto via aquelas elaborações complicadíssimas de como matar
alguém, lembrei de três coisas - cômicas, por sinal: Penélope Charmosa quase
morrendo em todos os episódios de A
Corrida Maluca, Cameron Diaz no final de
Head Above Water e a suicida
hilária de Delicatessen. O humor
vem justamente da estilização da morte, quando seria muito mais simples enfiar
de vez uma bala na cabeça. Em Jogos
Mortais, essa estilização seria mil vezes mais interessante, caso
houvesse um maior peso dramático naquilo que vemos.
Contudo, há cenas absolutamente soberbas – a utilização dos bonecos, em
homenagem à perfeição Profondo Rosso,
do Argento, é genial, além de ser profundamente assustadora. E a cena à la
Shyamalan do cara coberto pela túnica, no quarto da filha do Dr. Gordon, foi
muito bem feita... nesses momentos, fica aquela sensação terrível de quero-mais,
quando na verdade eu sentia uns arrepios bem estranhos nas pernas.
E tem o Danny Glover. Credo, por que aquele cara não resolveu vender bacalhau? A
presença dele no filme é constrangedora até, de tão ruim. Ele simplesmente
revive o policial engraçadão de Máquina
Mortífera, mas agora num filme que não dá espaço para um policial
engraçadão. Quando ele tenta dar carga dramática a seu personagem, dá vontade de
fechar os olhos. O bom é que ele surge na tela muito pouco – não conseguiu,
portanto, atrapalhar demais o filme com sua presença.
Mas aí vem o final. Não falo das tramas paralelas, mas sim daquilo que ocorre
com Adam e Dr. Gordon, the very cena final mesmo. Aí sim, James Wan
parece fazer jus à idéia que teve – e, lembrando
Adaptação, que afirma que só a
terceira parte é importante, realmente fica um gostinho de satisfação na boca,
apesar de um gosto meio acre embaixo da língua – podia muito bem ser gosto de
sangue, mas parece que é uma gordura meio porca que a gente não faz muita
questão de engolir.
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