Muitos foram os percalços e dificuldades
enfrentados por Ridley Scott na produção do seu moderno clássico da FC,
Blade Runner. Nenhuma discussão ou polêmica, contudo, houve
quanto à escolha do compositor que criaria uma das mais climáticas
músicas da história do cinema: Vangelis, que à época (1982), já era um
renomado compositor e tecladista, especializado em música instrumental.
Através de melodias interpretadas nos mais variados teclados
eletrônicos, Vangelis mostrou-se capaz de criar verdadeiras imagens
sonoras, característica que torna sua música perfeita para o cinema
(meio para o qual vem compondo desde os anos 70). Seu trabalho hoje pode
ser classificado como "new age", apesar de sua música preceder - e até
mesmo transcender - a este gênero.
Nascido como Evangelos Odyssey Papathanassiou em 29 de março de 1943 na
Grécia, ele começou a tocar piano aos 4 anos de idade, dando seu
primeiro concerto, com músicas próprias, apenas 2 anos mais tarde. Nos
anos 60 mudou-se para Paris, onde formou a banda de rock progressivo "Aphrodite's
Child", que tornou-se muito popular. Algum tempo depois estabeleceu-se
em Londres, e após a dissolução do grupo, em 1970, Vangelis iniciou sua
rica carreira solo. Apesar da base de sua música ser formada por
teclados (piano, sintetizadores, órgão, etc.), o compositor também toca
flauta, bateria, xilofone e diversos instrumentos de percussão. Vangelis
raramente apresenta-se em público ou dá entrevistas. Seu local preferido
é o estúdio, onde compõe e grava álbuns solo ou com parceiros como Demis
Roussos e Jon Anderson, bem como trilhas sonoras. Dificilmente alguém
não conhece suas músicas: além dos filmes, elas são freqüentemente
usadas como trilhas de comerciais. A trilha de Carruagens de Fogo
(1981) valeu ao seu compositor um Oscar, e praticamente virou um hino
para os Jogos Olímpicos. Na famosa série de TV Cosmos foram usadas
muitas composições de Vangelis, principalmente do álbum "Heaven and Hell"
(1975). Tendo realizado suas principais trilhas para Ridley Scott, Costa
Gavras e cineastas de vários países, Vangelis inicialmente compôs para
filmes franceses. Nos anos 70, ele compôs para, entre outros filmes,
Salut, Jerusalem, L'Apocalypse Des Animaux, Crime and Passion, La Fete
Sauvage e Entends-Tu les Chiens Aboyer.
Na
década de 80, até agora o auge de sua carreira, vieram Carruagens de
Fogo, Blade Runner, Desaparecido, Pablo Picasso, Antártica, O Ano em que
Vivemos Perigosamente, O Grande Motim, etc. Nos anos 90, com a volta
das trilhas orquestrais, a música de Vangelis ficou um pouco esquecida,
porém fez-se presente em 1492: A Conquista do Paraíso e Lua de
Fel. Mas, sem dúvida alguma, foi através de sua parceria de 1982 com
Ridley Scott que o músico grego obteve sua maior consagração de público
e crítica, até agora. As imagens sombrias e melancólicas de Blade
Runner, que descrevem o caminho do caçador de Andróides Rick Deckard
rumo a uma nova visão da vida, esteja ela em um corpo orgânico ou
sintético, foram a gênese de uma música mais do que inspirada de
Vangelis. É interessante notar que grande parte das gravações originais
desta trilha, apesar de sua qualidade e popularidade, estiveram inéditas
em CD até 1994. Aparentemente por uma destas discordâncias contratuais
tão comuns no meio artístico, as gravações de Vangelis não puderam à
época ser lançadas, apesar de, nos créditos finais do filme, constar que
a trilha estava disponível em álbum da Polydor. Deste modo, para
viabilizar o lançamento de um álbum, o compositor e maestro Jack Elliot
foi contratado pela Warner para supervisionar uma nova gravação com a
New American Orchestra, que foi enriquecida por renomados músicos de
jazz como Ian Underwood, Chuck Findley, Richard Tee e Tom Scott
(saxofone em "Love Theme"). Os arranjos e orquestrações estiveram a
cargo de Pat Williams e Eddie Karam.
Descontada uma que outra edição pirata, esta era a única versão da
trilha até então existente. Em 1989, a Polydor lançou o álbum "Themes",
onde ao lado de músicas de seus álbuns solo e faixas de trilhas até hoje
inéditas (Desaparecido, O Grande Motim), finalmente apareceram as
versões originais de "End Titles", "Love Theme" e "Memories of Green",
de Blade Runner. Feita a inevitável comparação, foi constatado
que, descontada a qualidade do álbum da Warner, este não havia
conseguido capturar por completo a beleza e a melancolia presentes na
música de Vangelis. Em 1993, quando Ridley Scott conseguiu lançar a
versão do diretor de Blade Runner, em momentos essenciais do
filme pudemos ouvir a trilha sonora sem a dispensável narração de
Harrison Ford, acrescentada pelos produtores em 1982. Assistindo-se a
esta versão nota-se que, na cena da morte do replicante vivido por
Rutger Hauer, todas as explicações que os produtores quiseram verbalizar
sempre estiveram presentes na versão original do filme: basta que se
reverencie a morte serena de Hauer ouvindo atentamente à belíssima "Tears
In Rain", que emoldura a cena. Este "aperitivo" só fez aumentar a fome
pela versão original da trilha, que finalmente chegou em CD da Atlantic,
em 1994. Apesar de não conter 100% da música, o CD possui o essencial,
ao lado de três novas faixas compostas para trechos do filme que não
possuem música de fundo ("Blush Response", "Wait for Me" e "Rachel´s
Song"). Apesar de algumas faixas possuírem, em sua introdução, diálogos
extraídos do filme (recurso discutível que está tornando-se comum), é
uma satisfação ouvir aos arranjos originais de músicas como "Blade
Runner Blues", cujo solo de teclado fora substituído por trumpete, na
interpretação da New American Orchestra. Caso você não possua este
álbum, compre-o. Afinal, se Blade Runner hoje é um clássico,
muito do mérito deve ser dado ao trabalho de Vangelis, que compôs
melodias que tocam a alma de quem assiste ao filme.
Filmografia de Vangelis,
cortesia de Internet Movie
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